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psichos: EMPATIA: UMA NOVA DIMENSÃO DA ÉTICA



-------- Apesar de incomensuravelmente mais defensável que a Ética de Princípio, esta Ética de Finalidade também não escapa de problemas típicos do Utilitarismo e Deontologismo. Creio eu, que tais podem ser tranquilamente superados com o uso adequado do conceito de EMPATIA.
-------- Ela satisfaz também apelos da Ética do Cuidado, e se harmoniza perfeitamente com a Regra de Ouro, pois qualquer ação que crie um desnível de bem estar entre os envolvidos tende ao mal. Ou melhor, as ações teriam seu valor ético ampliado na medida em que contribuem para o máximo bem estar médio, respeitando a sensibilidade de cada um, o que ecoaria em parte no antigo Eudaimonismo grego.
-------- De certa forma é isso que doutrinas de Compaixão e Caridade sugerem, inclusive a Cristã. Qualquer nível de contato entre dois indivíduos deveria considerar o sentimento de Empatia, de modo a inibir qualquer ação deliberadamente anti-ética.
-------- Em termos práticos, isso significa estimular o sentimento de Empatia que todos temos, que pode estar adormecido mesmo por uma questão de auto defesa emocional. A desensibilização é um perigo para toda a sociedade, pois é fato notório que a maioria dos humanos tem uma resistência natural contra atos homicidas por exemplo. Há uma comprovada dificuldade em cometer um primeiro assassinato, no entanto uma série de fatores podem reduzir essa resistência, adormecendo a empatia. Há exemplos históricos grotescos, como os treinamentos de exércitos espartanos ou nazistas, que visavam estimular ao máximo a agressividade, reduzindo ao mínimo a sensibilidade.
-------- Tivemos também ao longo da história uma cultura de apreciação do sofrimento alheio, como as vias-cruxis, esquartejamentos e torturas em praças públicas, podendo ser vistos inclusive por crianças, incinerações ao vivo e sessões de humilhação pública. Todos fatores socialmente estimulados que não faziam outra coisa que inibir ao máximo nossos impulsos altruístas espontâneos.
-------- É uma grande conquista da civilização contemporânea ter abolido esses comportamentos hediondos, ainda que muitos deles restem. Temos estendido nossa empatia não só para outros povos, mas até mesmo para animais e plantas. É inegável que ainda temos um longo caminho a percorrer, mas hoje em dia em nosso contexto cultural já não mais é admissível uma sessão de chibatadas em praça pública.
-------- Dessa forma, considero qualquer proposta no sentido de instituir punições cruéis e públicas uma afronta as conquistas éticas de nossa civilização contemporânea. É totalmente inaceitável que alguém hoje em dia proponha que o estado aplique castrações para estupradores, linchamentos ou punições que inevitavelmente viriam a desensibilizar os cidadãos. Por mais terríveis que sejam os crimes praticados pelos algozes da sociedade, esta tem que estar acima deles, e não agir com impulsos vingativos e métodos brutais.
-------- Uma coisa é que alguém tenha um forte sentimento de revanche. Algo aceitável no Ser Humano, mas isso não pode ser institucionalizado como era antigamente. Fazê-lo seria uma porta aberta para o retorno de todas as formas de perversões que hoje em dia tanto nos envergonham que tenham ocorrido no passado.
-------- Também não estou apoiando a estúpida máxima ingênua que muitas vezes vemos afirmar que o indivíduo que se vinga de um agressor na mesma moeda é tão ruim quanto o agressor. Longe disso. Praticar uma agressão equivalente por revanche é muito menos ruim do que praticar a mesma agressão por motivo fútil. O próprio judiciário reconhece isso. No entanto, concordo sim que tal ação vingativa é menos boa do que uma postura de superação e indulgência.
-------- A temática da Empatia, ademais, permite não só uma descida da teoria ética de pedestais metafísicos para um plano material e tangível, como permite também soluções dos problemas típicos dos modelos éticos mais entrelaçados com nossa experiência concreta, como o Consequencialismo, bem como satisfaz perspectivas deontológicas de intenção.

-------- Em termos de quantificação utilitarista, ela permitiria eliminar todas as distorções. Pois além de um valor teórico de quantidade de Bem a ser mensurado para cada indivíduo envolvido, deveria ser medido também um Índice de Empatia entre cada um dos envolvidos, e mais especificamente, o nível de diferença entre o Bem estar de cada um, dessa forma, notaremos que qualquer evento que consideramos intuitivamente como anti-ético, invariavelmente dará um resultado de valor negativo.
-------- A fórmula para esse cálculo seria:
-------- Onde VE é o Valor Ético. B a "Quantidade" de BEM de uma pessoa envolvida na ação, e E o nível de EMPATIA, ou no caso, o desnível entre a Quantidade de Bem de um indivíduo e a de um outro.
-------- Citarei apenas 3 exemplos simples. Consideremos que o Bem Estar de alguém pode variar de +10 a -10, sendo este último o pior mal-estar possível. E é claro que devemos lembrar que isso se refere apenas a um valor teórico, que não poderia ser usado para finalidade práticas mas sim para compreensão de elementos da uma teoria Ética. Esse valor também é subjetivo, pois estaria levando em conta não um simples prazer imediato, mas também as perspectivas de bem-estar futuros relativos em seus mais variados níveis.
-------- Vejamos primeiro, em cada um dos 3 exemplos, uma quantificação utilitarista simples.
1 - Casal tendo relação sexual Harmoniosa.
"Quantidade de Bem" do Homem = digamos, +7.
"Quantidade" de Bem da Mulher = +8. O Resultado seria a soma dos valores, +15, o que resulta numa ação boa.
Mas adicionemos um terceiro indivíduo, no caso um bebê cuja necessidade alimentar está sendo no momento negligenciada enquanto o casal faz amor. A criança estaria num estado de Bem de -3, por exemplo. Nesse caso, o resultado final da quantificação continuaria positivo, +12. Ou seja, apesar de sabermos que há algo eticamente errado nessa situação, a quantificação utilitarista simples ainda lhe dá um valor positivo!
Agora vamos adicionar a medida de Empatia. Esta seria nada menos que a soma da diferença de Bem entra cada um dos envolvidos.
Entre a Mulher e Homem = 1; Entre o Homem e o Bebê = 10; entre a Mulher e o Bebê = 11.
Basta agora somar todos esses valores e dar-lhes um total negativo, no caso -22. Então somamos este ao nível de Bem estar da quantificação simplificada, que era +15, o resultado é -7. Ou seja, o ato, intuitivamente anti-ético, passou a ser também teórica e matematicamente anti-ético!
Se removermos o bebê da equação, veremos que o resultado anterior diminui em um grau, caindo para +14. Essa desvaloração se dá devido ao desnível de bem entre o casal, mas o valor continua sendo positivo.
-------- Essa desvalorização devido ao adicionamento do cálculo de empatia me parece um preço pequeno a pagar pelo ganho de compatibilização do cálculo com nossas intuições éticas fundamentais com base na regra de ouro, como poderemos ver no próximos exemplos, e lembrando de que é necessário somar as relações "empáticas" entre TODOS os envolvidos, numa análise combinatória de pares.
- Grupo de 5 pessoas se divertindo.
Digamos que os valores de Bem sejam +6, +5, +4, +8, e +7 e ou seja, numa quantificação simples seria +30 o resultado final. Se adicionarmos o cálculo de empatia, o que nesse caso poderia até ser dispensado, o valor irá cair para +10. Pois seriam 10 relações entre os indivíduos. Entre +6 e +5, +6 e +4... Depois entre +5 e +4, +5 e +8... Até totalizar a soma dos desníveis em todos os pares possíveis, no caso -20. O Valor Ético continuará muito positivo, mas havendo um desnível empático entre alguns indivíduos, talvez o excesso de euforia de um incomode o outro. Vê-se logo que uma maior harmonia na relação empática elevaria o nível do ato. Se todos estivessem na média, nível +6, o resultado final se manteria +30.
Se destes, 4 estivessem num nível +9 e um deles num nível +1, o resultado simples seria +37, mas o resultado considerando as relações empáticas seria +5. Talvez caso os demais estivessem a se divertir as custas da ridicularização do outro.
Mas se examinarmos casos mais extremos, onde os demais se divirtam as custas do intenso sofrimento do outro, mesmo que seus níveis de Bem estivessem muito elevados, o ato seria fundamentalmente anti-ético. No caso de valores +8 +9 +10 +9 e -4, para uma quantificação utilitarista simples haveria o resultado ainda positivo de +32, mas adicionando-se os valores de empatia o Valor Ético do ato cairia para -26.
-------- Portanto essa fórmula impede as falhas típicas de quantificação utilitarista, pois onde seu modelo falha, deixando atos claramente anti-éticos receberem Valores Éticos teóricos positivos, o cálculo envolvendo Empatia sempre deixará valores claramente negativos.
-------- Passemos para um exemplo ainda mais amplo, e sempre lembrando que esses cálculos não tem pretensões normativas pragmáticas, mas sim devidas ilustrações que simbolizem como o conceito de empatia tornaria nossas noções teóricas de ética muito mais precisas e próximas da realidade.
3 - Batalha entre dois exércitos. Consideremos 200 envolvidos, metade de cada lado.
Digamos que 50 destes indivíduos, guerreiros natos e habilidosos, estão num estado de larga euforia, o dito clangor da batalha, eles tem em média +6.
Destes, 120 estão num estado de tensão devido ao perigoso combate, numa oscilação entre a excitação da ação e o medo de serem feridos ou mortos, sua média seria 0.
E 30 "levaram a pior", sendo mortos ou gravemente feridos, ficando em estágio de sofrimento. Sua média seria -7.
Numa quantificação simples basta multiplicar e somar os valores:
50x6 + 120x0 + 30x-7 = 300 + 0 + -210 = +90.
Ou seja, a quantificação utilitarista simples daria um valor positivo de +90 a essa barbárie! Apesar do que nos dizem nossas intuições.
Agora adicionemos novamente o cálculo de Empatia. Para cada indivíduo seria necessário avaliar o desnível de bem relativo a cada um dos outros. O cálculo é muito trabalhoso sem fórmulas mais precisas, mas é evidente que o resultado é largamente negativo, pois seria avaliada a diferença entre os extremos. Num cálculo simplificado teríamos a mera diferença entre 300 e 210, que é -90, que deveria ser somada ao resultado final. Como vemos, na melhor das hipóteses o resultado seria 0! Mas na verdade seria muito menor, pois o desnível de empatia sempre traz um resultado negativo, mesmo que os dois valores sejam positivos. O somatório de todas as combinações, que para duzentos são nada menos que 19.900, seria então um número negativo extremo, a ser adicionado à equação.

Na mesma linha, observemos que uma das maiores críticas à quantificação utilitarista cai por terra com essa dimensão de Empatia. O famoso exemplo do Coliseu, onde uma grande platéia sente um imenso prazer ao ver uma pessoa ser açoitada, torturada e morta. Na quantificação utilitarista simples, o resultado dessa ação é inegavelmente bom, basta somar os índices de Bem pessoal. O do indivíduo sofredor seria desprezível comparado ao somatório do de milhares.
-------- John Stuart Mill tenta contornar situações como essa adicionando conceitos confusos como a distinção entre purezas do prazer, ou apelando a estranhos "Juízes Competentes", uma espécie de apelo ao Perfeccionismo, que afinal não conseguem contornar devidamente o problema sem cair em discussões metafísicas, ontológicas ou no mínimo semânticas.
-------- Mas se simplesmente considerarmos a Empatia, teríamos que adicionar uma relação empática de cada um dos indivíduos com a vítima, ou seja, seriam milhões de valores negativos a serem considerados, que não poderiam ser compensados pelos somatório dos valores entre cada membro da platéia, pois o desnível sempre dá resultados negativos. No caso de duas pessoas em estado de Bem positivo, a diferença é pequena e não influi significativamente, mas entre a de estado positivo e a negativo, e valor aumenta largamente, passando a ser significativo.
-------- Muito mais poderia ser dito sobre esse tema, mas na verdade tenho pretensões de trabalhá-lo num Mestrado, dado sua importância e amplitude. Espero que este trabalho sirva como uma introdução a algo muito mais amplo, um projeto literário e filosófico de largas proporções no tema da Ética.
-------- Áqueles que não se sentirem à vontade como minha distinção operativa de Ética e Moral, basta ignorá-la, embora me pareça incômodo ter que me referir às mesmas idéias com termos como "Ética mais abrangente", ou "Moral mais restrita".
-------- Também espero ter esclarecido minhas predileções filosóficas pelo Consequencialismo e parte do Deontologismo, em geral em detrimento de maior parte do Perfeccionismo, ainda que não tenha explanado mais claramente, especialmente sobre o Eudaimonismo e a Ética do Cuidado. Esses temas ficarão para um futuro tratamento, mas eu precisava tratar logo, aqui e agora, alguns temas introdutórios para esta disciplina de Filosofia Contemporânea, uma vez que tal assunto é extremamente contemporâneo, e sempre será. Mesmo porque no período medieval por exemplo seria impraticável defender uma ética não religiosa, com risco de vida envolvido, e a dificuldade permaneceu até boa parte da Idade Moderna.
-------- Isso não faz com o que o tema não fosse importante antes, mas somente aqui, na Contemporaneidade, parece ser possível tratá-lo com mais segurança e profundidade, livre de certas limitações históricas.
-------- Afinal, já disse e repito. Ética, ou Filosofia Moral, por sinal nomes que sugerem tratamento diferenciado para os termos "Ética" e "Moral", ao menos nunca vi os termos "Filosofia Ética" ou simplesmente "Moral", para se referir à disciplina filosófica.
-------- Voltando. Ética é para mim o tema mais contundente e impactante da filosofia em termos práticos. A maioria de nós pode viver sem nada saber de Epistemologia, Ontologia, Lógica, Teologia ou Teoria da Ciência.
-------- Mas não podemos viver sem Ética.

Marcus Valerio XR
BIBLIOGRAFIA
ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL (ENCYCLOPAEDIA BRITTANICA DO BRASIL)
KIERKEGAARD, SOREN. Temor e Tremor. Coleção Os Pensadores - Ed. Abril, São Paulo 1974
SCHOPENHAUER, ARTHUR. Parerga e Paralipomena. Coleção Os Pensadores - Ed. Abril, SP 1974
HUISMAN, DENIS. Dicionário dos Filósofos. - Ed. Martins Fontes, São Paulo 2001
FEUERBACH, LUDWIG. A Essência do Cristianismo. Original de 1841.
WRANGHAM, Richard & PETERSON, Dale. O Macho Demoníaco. - Ed. Objetiva, São Paulo 1995.
GOULD, STEPHEN JAY. Os Pilares do Tempo. - Ed. Rocco, São Paulo

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