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MAGIA: O Fogo e as Salamandras



Os xamãs em todos os lugares e em todas as épocas sempre mantiveram uma amizade especial com o fogo. Andam com os pés nus na brasa. A Alquimia fala, de maneira misteriosa, de varias fogos secretos. Milarepa, o grande poeta tibetano, nas alturas geladas do Himalaia, se vestia apenas com uma roupa de algodão, tão forte era seu fogo interior.

Viagem Interior

O Mestre do Fogo

Deixe brilhar a chama da sua curiosidade,
deixe sua curiosidade percorrer os caminhos do espaço e do tempo,
para encontrar aquele que tem o Fogo por Aliado,
esse fogo azul, quase branco,
intenso.
Andando, caminhando,
você sabe que está andando no seu próprio mundo interior,
descobre que o Mestre do Fogo estava escondido em você.
Ele está aqui, com seus cabelos ruivos,
sua barba ruiva,
seu olhar penetrante.
O Mestre do Fogo
é um aspecto de você,
o Mestre do Fogo em você.
Com sua mão astral, apontando os dedos da sua mão astral,
você ascende em frente de você um fogo etérico,
um fogo de energia primordial.
Logo esse fogo etérico se sustenta por si próprio,
se torna uma serpente de fogo etérico, uma salamandra,
uma salamandra amiga, sim uma poderosa inteligência amiga.
Dá um nome á salamandra.
Chama a salamandra do primeiro nome que vier,
o nome dela, o nome que ela quer.
E você sente o desejo, o fogo, o desejo de vestir a salamandra,
como se veste uma roupa, vestir a salamandra,
conhecer o fogo do interior.
Seu corpo já está feito de Fogo.
Sua alma é feita de Fogo.
Você é uma chama,
você é brasa.
Com seu corpo de Fogo, você entra
no Fogo de uma estrela.
Com seu corpo de Fogo, você entra
no Fogo do início do mundo.
Volta para a Terra, para a mata.
Com seu corpo de Fogo, entra em uma pedra.
Percebe o Fogo secreto da pedra.
Com você a pedra se lembra do Fogo primordial,
do Fogo das origens.
Você entra no Fogo da paixão,
a paixão de buscar a verdade.
Sim, você entra no Fogo Inicial,
no Fogo da consciência.
Você dança,
dança a dança das chamas,
você é uma salamandra, dançando... queimando... dançando...
queimando as raivas, as fúrias.
Você entra em Alquimia,
você se torna um sol.
Você se transforma em você, em Sol.
E você pensa numa pessoa que poderia mudar,
mas nem quer nem deseja.
E você suscita nessa pessoa um fogo,
um desejo ardente de mudar,
um fogo,
um entusiasmo, um fogo.
E você agradece a salamandra.
Comentário
Use uma salamandra para limpar um terreno infestado de formigas e cupins. Imagine uma enorme serpente de fogo astral percorrendo o terreno, com a missão de despedir essas pragas, e eventualmente queimá-las. Quando você voltar uma semana depois, não terá nenhum rastro desses insetos. O único talento necessário para conseguir isso é a imaginação. Por paradoxal que pode parecer, a imaginação é a faculdade a mais realista. O Universo não é feito de palavras, mas de sua consciência, e a consciência percebe imagens. As formigas perceberam fogo.

O Fênix

O astral é um espaço energético. O que você constrói no astral, as formas que você memoriza, de maneira natural, se materializam. O Universo é feito assim. Fazemos isso o tempo todo, de maneira inconsciente. Fazer isso de maneira consciente é melhor.
Claro, memorizamos formas negativas. Essas formas negativas produzem acontecimentos prejudiciais e obstáculos. Aqui está o lado sombrio de Saturno. Como qualquer outro Deus, quando cego, é perigoso. Devemos usar
Saturno, construir, não deixar Saturno nos aprisionar.
No Egito antigo, o Fênix era uma ave misteriosa. Aos mil anos de idade,
quando cansada, velha, sentava-se no seu ninho, acendia fogo, queimava-se e renascia das próprias cinzas. O naipe de Paus é o naipe de Plutão, o naipe da Alquimia. Alquimia. Destilar. Cristalizar. Viagem iniciática do Egito antigo. Viagem xamânica.

Viagem Interior

O Fênix

Imagine um Templo no Egito Antigo,
um Templo do Sol.
Nesse Templo Solar
imagine essa ave misteriosa, o Fenix,
veste o corpo do Fênix, suas asas brilhando
na luz dourada.
Alçando voo, vai até o altar,
sente-se no ninho, no ninho das suas magoas,
lembrando-se das suas mágoas,
das suas revoltas, das suas raivas.
Acenda o fogo das mágoas.
Acenda o fogo das revoltas.
Acenda o fogo das raivas, o fogo vulcânico das raivas.
Você esta se tornando fogo,
queimando, transformando-se em fogo,
transformando-se na beleza do fogo.
Dançando... dançando a dança das chamas,
a gloriosa dança do fogo,
transformando-se em fumaça.
Você é fumaça elevando-se para o Céu.
Você é fumaça espalhando-se nas alturas do Céu.
Você se torna imenso/a, na imensidão do Céu,
sem forma, sem limite.
Você é Luz, imensidão de Luz.
Música, imensidão de música.
E você olha as cinzas no altar do Templo do Sol.
O que ficou, as cinzas, a memória.
As cinzas, a memória que não pode mais pegar fogo.
As cinzas, a memória sem emoção,
sem mágoa, sem dor.
A memória pura, o conhecimento, o Poder.
E você ressuscita das cinzas,
jovem, dessa vitalidade ardente,
essa força, esse Poder.
O Poder, o Poder que você é.


Hervé Dassigny
www.dassigny.com.b

Sub umbra alarum tuarum intineris in pat laudabilis divinitas...
Sissy

PSICHOS: OS SONHOS.


SONHOS

Para Jung


É o resíduo de uma atividade que se exerce durante o sono.
É um produto involuntário, espontâneo do inconsciente e se expressa por uma linguagem simbólica.
É a fotografia nua e crua da realidade psíquica de um indivíduo, em determinado momento.
Todos os sonhos são compensatórios, visam estabelecer o equilíbrio psíquico normal e são auto-reguladores de posições unilaterais da consciência ou demasiado anti-naturais, estabelecendo uma dialética entre consciente e inconsciente, que caracteriza a dinâmica da vida psíquica.
Para dar sequência à minha pesquisa sobre sonhos dentro do enfoque da psicologia analítica, quero agora introduzir um autor que, ao meu ver, tem um dom especial para escrever e elaborar o seu raciocínio: James Hillman, um expoente da psicologia junguiana, nos traz uma nova abordagem de como pensar a psicologia. Aprofunda e desenvolve alguns conceitos já apresentados por Jung. Denomina sua psicologia de “arquetípica” por lhe parecer o nome mais adequado para refletir a abordagem característica de Jung, abrangendo a teoria, a pratica e a vida em geral. É uma psicologia da imaginação e da interioridade.
SONHOS
Para Hillman
Os sonhos estão relacionados com a morte, com o morrer, com a depressão, com o mundo das trevas, o mundo inferior e seus deuses.
A tradução terapêutica dos sonhos para o mundo desperto da vida, tira o sonho de seu mundo noturno e de sua natureza.
Faz o movimento inverso, puxa as questões da vida diurna para o mundo noturno, as vivências de nossa vida diária são cozinhadas em substância psíquica e transformadas em alma.
Os sonhos como fenômenos que emergem de um “lugar” arquetípico específico e que correspondem a uma geografia mítica distinta, para a reflexão desse mundo inferior em uma teoria psicológica.
É necessário que o ego tenha uma atitude de ajuste para com o mundo noturno, para poder alcançar o sonho em sua terra natal.
Abandonar as concepções diurnas, a idéia de compensação e de tradução e se ater às imagens.
Os sonhos revelam o que somos, não o que podemos vir a ser, eles refletem a essência. Nos mostram que somos plurais e que cada uma das formas que lá figuram são “o próprio homem inteiro”, potenciais inteiros de comportamento.
mundo das trevas é psique
mundo das trevas se refere a uma perspectiva totalmente psíquica, onde todo o nosso ser foi desubstancializado, destituído de vida natural, e ainda assim é em toda forma, o sentido e o tamanho, a réplica exata da vida natural.
sonho é uma afirmação das profundezas ctonicas; um estado frio, denso, imutável, onde não se encontra o sentido de moralidade, nem sentimentos humanos, e nem uma noção de tempo.
Diferença entre alma e emoção.
Cada manifestação onírica é uma expressão arquetípica, é um deus falando através da imagem.
A imagem como fator essencial para a compreensão dela mesma no sonho.
A proposta de Hillman é a reflexão; estou espelhado neles, e eles estão espelhados em mim, não para ser entendido em um sentido compensatório, mas para uma reflexão de onde eu estou, e o que eu estou fazendo.
Podemos sonhar com vários temas, escolhi o motivo onírico do animal: sonhos onde animais aparecem. Sonhar com animais é um fato comum presente na humanidade. Desde os primórdios da existência do homo sapiens, os animais sempre tiveram importante participação na vida do homem fornecendo alimento, vestuário e até proteção ao estabelecer relações íntimas. Animais participam da vida externa e da vida interna da humanidade desde sempre, e uma vez que os animais são parte integrante da natureza, me é natural que a psique utilize imagens de animais para se expressar.
O MOTIVO “ANIMAL”
Para Jung
A imagem do animal simboliza a natureza primitiva e instintiva do homem.
Formas animais designam movimentos e experiências psíquicas, que surgem freqüentemente nos sonhos e em outras manifestações do inconsciente.
Quanto mais primitivo o animal, mais profundo o extrato do inconsciente que ele representa.
Conteúdos das camadas mais profundas da psique tornam-se mais difíceis de assimilar, pois estão mais afastados da consciência comum.(Ex.: cavalo e cobra)
A maneira pela qual os animais nos aparecem nos sonhos e desenhos indica a nossa atitude em relação ao inconsciente.
simbolismo associado a um animal baseia-se em seus atributos naturais; as associações do sonhador com o animal são relevantes.
Reconhecido e respeitado na vida do indivíduo, o “ser animal”, que é a sua psique instintual, permite desenvolver uma relação com os padrões instintivos intimamente gravados presente nos seres humanos, podendo proporcionar criatividade, refletindo o significado e a sabedoria coletiva.
O MOTIVO ANIMAL
Para Hillman
A imaginação é, ela própria, um grande animal, ou uma arca de imagens, que estão todas vivas e se movem independentemente. Elas vêm e vão. Em todos os formatos e tamanhos.
Entende o animal isento de projeções, nossa percepção e compreensão sobre eles está conectado nas vivências, conceitos, parâmetros e histórias humanas.
Estamos sempre interpretando e buscando um significado para atender a nossa necessidade de esclarecimento, e os documentários sobre a vida animal são reflexos destas interpretações.
Preocupação com a extinção e o paradoxo desta: documentários e reportagens proliferam na TV, na mesma medida que estes animais estão desaparecendo do planeta.
Animais como eternas imagens arquetípicas, como habitantes da imaginação, podem morrer, mas não ir embora.
Fascinação com os dinossauros, ou espécies extintas ou lendárias é uma demonstração da autonomia e imprevisibilidade do animal interior, que continua se desenvolvendo na imaginação.
É pela imagem que os animais se reconhecem, e talvez, nos reconheçam, e nós ao olharmos para eles possamos nos reconhecer.
Os sonhos podem estar refletindo a forma de comunicação natural entre os seres, a aparência física, a imagem, sua beleza e traços individuais.
É fundamental que, ao olhar para o animal estamos desenvolvendo a nossa subjetividade.
Talvez, esta seja a função maior da imagem, nos fazer descobrir a subjetividade.
Quem somos, aquilo que nos forma e nos organiza sob o jugo de qual fantasia arquetípica.
Para Hillman os animais acordam a imaginação. Os sonhos com animais podem fazer isso também – despertam as pessoas, provocam os seus sentimentos, as faz pensativas, interessadas e curiosas.
À medida que penetramos na imaginação, nós nos tornamos mais parecidos com os animais – não bestiais, mas, mais vivos instintivamente e com mais compreensão, um nariz aguçado e um ouvido afiado.
Os animais do mundo refletem nossos seres interiores – Os contos com animais nos fazem retornar para este ser interior, ajudando-nos, adultos e crianças a nos instruirmos sobre nós mesmos.
Nos sonhos, nossas almas se encontram com outros seres, como imagens. Os sonhos são passagens abertas através do fundo em comum que todos compartilhamos, possibilitando a intercomunicaçao das almas.
Se compartilhamos com vários seres o planeta, os elementos, as subestruturas genéticas, compartilhamos também o mesmo campo psíquico.
Todos temos a mesma origem na natureza, nós humanos não somos os personagens principais no mundo dos sonhos. Estamos, sob este prisma, na mesma condição de igualdade com toda a manifestação animal.
Analisarei mais especificamente a simbologia referente ao cavalo, na intenção de fazer uma apreciação das analogias a ele ligados, e observar as possíveis aplicabilidades deste símbolo no estudo dos sonhos.
Os sonhos para Jung são a expressão natural e espontânea do inconsciente. É a psique falando pelas imagens e o modo como o inconsciente se comunica com a consciência. Jung foi consultado sobre a suspeita de histeria, em uma paciente de 17 anos. Transcrevo aqui o sonho que ela relatou:
“Não faz muito tempo sonhei que estou chegando em casa. É noite. A porta que dá para o salão está entreaberta e vejo a minha mãe enforcada no lustre, seu corpo balançando ao vento gelado que entra pelas janelas abertas. E depois também sonhei que havia um barulho terrível dentro de casa. Vou ver o que é, e vejo um cavalo espantado correndo feito doido pelo apartamento. Por fim ele encontra a porta do corredor e pula pela janela do corredor para a rua. O apartamento fica no 4º andar. Vi, horrorizada, seu corpo estendido lá embaixo, todo espatifado.”(Carl Gustav Jung. C.W. XVI $ 343).
Esta será uma demonstração clássica de como Jung trabalha com os sonhos. Num primeiro momento, ele observa que “mãe” e “cavalo”, devem ser equivalentes, pois neste sonho os dois símbolos se comportam de forma similar; se suicidam. Vejamos as associações que Jung faz:
““Mãe”é um arquétipo que indica origem, natureza, o procriador passivo (logo, matéria, substância) e portanto a natureza material, o ventre (útero) e as funções vegetativas e por conseguinte também o inconsciente, o instinto e o natural, a coisa fisiológica, o corpo no qual habitamos ou somos contidos.
“Mãe”, enquanto vaso, continente oco (e também ventre), que gesta e nutre, exprime igualmente as bases da consciência. Ligado ao estar dentro ou contido, temos o escuro, o noturno, o angustioso (angusto=estreito). Com estes dados, estou reproduzindo uma parte essencial da versão mitológica e histórico-lingüística do conceito de mãe, ou do conceito do YIN da filosofia chinesa. Não se trata de um conteúdo adquirido individualmente pela menina de 17 anos, mas de uma herança coletiva. Esta herança permanece viva na linguagem, por um lado, e, por outro, na estrutura da psique. Por esta razão é encontrada em todos os tempos e em todos os povos.”(Carl Gustav Jung C.W. XVI $ 344)
Jung percebe que a “mãe” do sonho, enquanto símbolo “designa algo que no fundo se opõe obstinadamente à formulação conceitual, algo que se poderia definir vagamente e intuitivamente como a vida do corpo, oculta e natural.”(Carl Gustav Jung C.W. XVI $ 345). O inconsciente; “a vida inconsciente se destrói a si mesma”.(Carl Gusrav Jung C.W. XVI $ 346).
““Cavalo”é um arquétipo amplamente presente na mitologia e no folclore. Enquanto animal, representa a psique não humana, o infra-humano, a parte animal e, por conseguinte, a parte psíquica inconsciente; por este motivo encontramos no folclore os cavalos clarividentes e “clariaudientes”, que às vezes até falam. Enquanto animais de carga, a sua relação com o arquétipo da mãe e das mais próximas (as valquírias que carregam o herói morto até Walhalla, o cavalo de Tróia, etc.) Enquanto inferiores ao homem representam o ventre e o mundo instintivo que dele ascende. O cavalo é “dynamis” e veículo, somos por ele levados como por um impulso, mas como os impulsos está sujeito ao pânico, por lhe faltarem as qualidades superiores da consciência. Tem algo a ver com a magia, isto é, com a esfera do irracional, do mágico, principalmente os cavalos pretos (os cavalos da noite), que anunciam a morte.”(Carl Gustav Jung. C.W. XVI $ 347).
“Assim sendo, o “cavalo” é um equivalente de “mãe”, com uma tênue diferença na nuança do significado, sendo o de uma, vida originária e o de outra, a vida puramente animal e corporal. Esta expressão, aplicada ao contexto do sonho, leva à seguinte interpretação: A vida animal se destrói a si mesma.”(Carl Gustav Jung.C.W. XVI $ 348).
O nosso irracional, o inconsciente é a mãe do racional, a consciência. Segundo Jung, o sonho não está falando da morte da sonhadora, ele está indicando uma doença orgânica grave, com desfecho letal. O prognóstico acabou sendo confirmado.
De um modo geral, a figura do cavalo designa a força vital animal do homem, também, muito associada a “mãe”.”Como o cavalo é o animal de montaria e de trabalho do homem e este até mede a energia em ‘forças de cavalo”, o corcel significa uma quantidade de energia à disposição do homem. Ele representa assim a libido que penetrou no mundo”.(Carl Gustav Jung.C.W. V. $ 658)
Stephen Larsen em Imaginação Mítica, pontua que podemos entender o cavaleiro como a psique consciente, e o cavalo como o inconsciente e mesmo o corpo físico. Pelos sonhos podemos observar como vai esta relação; um está cooperando com o outro? Quando aparecemos cavalgando, como é a nossa atitude para com o cavalo, e o cavalo nos obedece ou faz o que bem entende? Com esta imagem de parceria podemos perscrutar como anda o nosso dinamismo psíquico – como anda a conversa entre nossos fundamentos inconscientes e nossa consciência.
A garota de 17 anos, deve ter atingido um ponto em que este aspecto vital representado pelo cavalo no sonho, não teria mais condições de recuperação. Sua conduta neurótica, provavelmente, não conseguiu ou não teve condições de compreender as mensagens provindas do inconsciente, persistindo em um comportamento unilateral, defasando um aspecto de si mesma.
Hillman escreve em “Dreams Animals”, no capítulo “Horses and Heroes”, uma analogia com a psicologia alquímica e o cavalo. No calor da barriga do cavalo se encontra a concentração interna necessária para a formação e transformação da alma.
A proposta alquímica é, ao invés de matar o cavalo e libertar sua força deixando o calor escapar, entremos dentro da barriga do cavalo, penetremos nele, como Jonas na baleia. Olhar o estrume do cavalo, é analisar o que você processou, conscientizar-se do resultado da vida que você vem levando. Segundo Hillman, escremento é a imagem da sua matéria psicológica residual da sua energia cavalo., o cozinhar na fermentação forma um outro tipo de consciência.
O cavalo de Tróia é uma boa ilustração do “entrar na barriga”. O cavalo era oco e em seu interior haviam guerreiros gregos armados. Os troianos decidiram trazer o cavalo para dentro de seus muros impenetráveis. Dessa forma, os gregos invadiram Tróia.
Hillman analisa o porque dos troianos não suspeitarem do cavalo; por falta de imaginação. Faltou para os troianos o que os gregos estavam desenvolvendo. Eles conseguiram, literalmente entrar no cavalo, penetraram em seu poder vital e foram extremamente imaginativos. Tomaram Troia imaginarivamente, metaforicamente, pela imaginação conseguiram por um fim à guerra, e o cavalo oco foi a figura imaginada para esta cena, não outro animal.
O cavalo tem um valor histórico como animal de montaria e de carga. Pela reflexão que sua imagem nos traz, o seu símbolo parece estar ligado à atividade imaginativa.
As idéias de Jung muito tem contribuído para o entendimento da alma em suas manifestações. Os sonhos como expressão da psique, comunicando à consciência aspectos outros do si-mesmo, incitam à analise e à busca de compreensão dessas mensagens.
O trabalho de outros estudiosos, como o Hillman, vem acrescentar e despertar novos pontos de vista, ampliando nossa visão particular e pessoal, favorecendo a prática clínica.
O animal em um sonho pode estar personificando conteúdos instintivos; pode estar nos contando como nos relacionamos conosco mesmo; pode estar ensinando alguma coisa que escapa à consciência e só ele tem condições de alcançar e expressar nos sonhos, e pode estar se exibindo, inflando nossa subjetividade com sua beleza e energia.
Uma imagem não surge só de dentro para fora, o fenômeno também acontece de fora para dentro. Quando apreciada a imagem pode evocar a alma, quando manifestada é a alma quem fala. Devemos considerar que um não exclue o outro. O interno e o externo se movimentam sincronicamente, proporcionando um significado da existência.
Nossa consciência não pode captar todo esse movimento, então é tomada por afetos e humores. Mas, a possibilidade de olhar para essas imagens em forma de animais, e entender alguma coisa que escapa à conceituação racional, podendo inclusive fornecer subsídios para lidar com as dificuldades existenciais, já é interessante.
Vistas estas idéias, conclui-se que se a psique fala por imagens, se não há distinção entre natureza e imaginação, se os animais são parte integrante do mundo natural, então, é natural que eles sejam manifestados como expressão da psique. Eles podem ser vistos como a psique imaginando a si própria.
Crislaine Ennes Fridlund


Sara

http://br.groups.yahoo.com/group/portaldosesotericos

mitologia egipcia: HORUS, O DEUS DUPLO.


Mas quem é Hórus? O que tem ele a ver com este Aion? No LL não se fala de Hórus mas da sua pronuncia egípcia: Hoor-Ra-Khuit. Mais: o LL especifica que Horus é Duplo na sua constituição e é uma Criança na sua fisionomia. O LL fala de HERU-RA-HA: um ser constituído duplamente por Hoor-Ra-Khuit e Hoor-Pa-Kraat no LL-III-35.

Se Horus no seu aspecto de Criança Vingadora na forma de Hoor-Ra-Khuit é o poder radical da metamorfose através de actos violência física e moral se forem necessários (é o aspecto Marte na astrologia desencadeando por processos catabólicos experiências evolutivas e anti-homogeneizadoras), então a Outra Criança que raramente vemos, o Harpócrates como lhe chamavam os gregos helénicos, levando o dedo aos lábios em sinal de segredo e sigilo, sentado sobre o Lotus enquanto flutua sobre as vagas do Nilo, é Hoor-Pa-Kraat, o Senhor Silencioso, o Génio Espiritual dentro do Homem Iniciado, como dentro de um ovo aurico esperando pela gestação da "arte do fogo", como chamavam à alquimia magica helenística, a sua emergência e transfiguração humana.

Ele é Set, Shaitan Criança, dentro do Ovo Humano. Crowley diz que esta efígie de uma Criança para a Nova Era, em vez de um Homem adulto, se deve ao facto da Criança integrar o estádio anterior à socialização dos nossos instintos vitais, em que ela aceita sem pecado nem vergonha a sua a natureza corporal e espiritual como uma unidade indissolúvel. Pela sua natureza ela fala à humanidade de que a evolução espiritual é um processo de "crescimento" que tira as sua leis da natureza, como o crescimento de uma criança pelo caminho biológico da metamorfose física até ao home e mulher adulta.

Crescer e Unir o Espirito e a Matéria, o Pai e a Mãe, o Macho e a Fêmea, está representado nas tradições telémicas pelo Baphomet, o Andrógino com rosto e máscara de Bode que vemos no Arcano XV do Tarot (O Diabo). De facto esta Lâmina Sagrada, que tem sido olhada como símbolo da escravidão aos nossos instintos sexuais pela exegese cristã, com o casal humano unido ao seu pedestal por argolas de ferro, tem de ser reinterpretado na Nova Era de Consciência como um símbolo positivo do Casal Mágico trabalhando para a Unidade da sua condição física e espiritual.

kinema: Nelson Rodrigues e o teatro do desagradável: um olhar simbólico sobre a vida


Introdução
Nelson Rodrigues revolucionou o teatro brasileiro, de tal forma, que chega a ser considerado por muitos, o maior dramaturgo nacional, sendo o autor cujas peças são mais montadas na atualidade.
No entanto, nem sempre foi assim. Suas peças retratavam a classe média carioca com a incrível crueza do cotidiano que conhecia tão bem. Essa forma de linguagem não era bem aceita pela crítica ainda influenciada pelos moldes de um teatro mais eloqüente e poético.
Nelson Rodrigues trazia para os palcos a palavra suada de rua, como dizia.
E, enquanto filho do modernismo, se defendia:
“Meus diálogos são realmente pobres. Só eu sei o trabalho que me dá empobrecê-los.” (Castro, org.,1997: 47).
Mas além do estilo coloquial, suas peças tratavam de denunciar toda a hipocrisia que pairava sobre uma sociedade vítima da repressão sexual, revelando toda a perversão e deturpação dessa sexualidade latente.
Por flagrar aspectos da sombra coletiva, a obra de Nelson Rodrigues foi muitas vezes mal compreendida, censurada e suas peças tachadas como pornográficas, corrompedoras da família e dos bons costumes. Os críticos, chocados, não conseguiam enxergá-las em seus aspectos simbólicos, como arte.
Nelson sempre se utilizou de elementos obscenos em seu teatro catártico onde os personagens acabavam possuídos por seu lado mais primitivo.
“A ficção para ser purificadora precisa ser atroz. O personagem é vil para que não o sejamos. Ele realiza a miséria inconfessa de todos nós”. .
Através desse trabalho tento fazer uma análise das bases arquetípicas que se relacionam tanto à obra como à própria personalidade do autor afim de compreender o sentido do teatro que propunha enquanto purificador de desejos inconfessos. A interpretação aqui e a analogia que busquei fazer com
diferentes mitos gregos, explicitamente presentes na obra de Nelson,
principalmente em Senhora dos Afogados, pretende apenas traçar um esboço de uma personalidade criativa em confronto com questões pessoais que atingem a esfera coletiva. Tais bases arquetípicas que se relacionam à obra e a personalidade do autor se referem a aspectos patológicos de um homem do seu tempo. Se pensarmos na etimologia da palavra grega Pathos, paixão, ela
parece bem concernente ao homem e dramaturgo que foi. E aqui vemos a função dos complexos como nos aponta J. Jacoby de “germe criador” cuja função é levar os conteúdos do inconsciente para o consciente e evocar a força criadora deles
Nas palavras de Nelson: “Todo grande homem tem que ser obviamente obsessivo.
Não sei se me entendem. Mas o ‘grande homem’ é a soma de suas idéias fixas.
São elas que o potencializam”.
Por fim cabe ainda ressaltar a relatividade de interpretações feitas a
partir de dados biográficos.
A personalidade de Nelson Rodrigues
“Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico.”
(Castro, org.,1997:12)
Nelson Rodrigues pode ser considerado, de acordo com a tipologia de Jung, um intuitivo com uma função pensamento bastante diferenciada. O autor tinha a capacidade de mergulhar nas profundezas sombrias e trazê-las a tona de forma
brutal num estilo quase que sarcástico como apenas uma pessoa com um forte poder de julgamento e crítica poderia. O retrato cru dessa natureza instintiva do homem que toca o absurdo, ganha um tom irônico, crítico, característico de sua arte quando trazido para o quotidiano mais banal.
“O aprofundamento da intuição leva naturalmente o indivíduo a um grande afastamento da realidade palpável, de modo a tornar-se completo enigma até para as pessoas mais chegadas. Se for artista, apresentará na sua arte coisas extraordinárias, estranhas ao mundo, reluzentes em todas as cores, ao mesmo tempo importantes e banais, belas e grotescas, sublimes e ridículas.”
(Jung,1991: 378).
E de fato, a pessoa e a arte de Nelson Rodrigues sempre provocaram
estranhamento. Segundo consta em sua biografia, quando menino já possuia certo ar melancólico de afastamento da realidade. Ao contrário dos irmãos, era avesso aos esportes, sua paixão pelo futebol era apenas de espectador,não se animava a ir à praia e precisava ser subornado para que participasse de brincadeiras na garagem.
“Uma atmosfera de fog envolvia Nelson à medida que ele entrava na
adolescência. Estava ficando depressivo, como costumam ficar os meninos nessa idade — só que, nele, essa depressão era dramática, de tango, porque ele só faltava subir num caixote para proclamá-la. Vivia suspirando pelos cantos e, às vezes, soltava uma exclamação que certamente lera nos livros, mas que ninguém sabia se era sério ou não: ‘Eu sou um triste!’ — uma frase que, aliás, continuaria repetindo pela vida afora”. (Castro, 1992: 40).
Há algo nos estados melancólicos que poderia ser associado arquetipicamente à figura mítica de Saturno/ Cronos. Na alquimia, Saturno estaria relacionado ao chumbo, o escuro e pesado metal e também ao primeiro estágio, a putrefacto e mortificatio, no processo de transformação alquímico.
A figura mítica de Saturno/ Cronos remonta o tema mítico da sucessão do pai pelo filho. Trazido para a dimensão social, se analisarmos diferentes aspectos da figura de Cronos, poderíamos falar da necessidade de confronto com uma estrutura social, cultural que precisa ser renovada por já não atender mais às demandas da psique, no caso simbolizada pela imagem do velho rei. Tambem é interessante notar que Cronos não é o sucessor definitivo,
pois está entre Úranos e Zeus, o que nos faz associá-lo ainda mais à esse momento de transição, onde o transgressor ainda possui certa fragilidade.
Cronos não consegue se diferenciar totalmente, acabando por repetir as ações do pai e a ter assim o mesmo destino. Ainda se pode especular acerca dos estados depressivos em relação à figura de Cronos como uma luta a ser travada com esse Pai autoritário e devorador que impede a vida.
E de fato, Nelson Rodrigues, através de sua obra vai travar uma luta contra o pai coletivo sombrio, dogmático e repressor de sua época, que através de um moralismo hipócrita tenta esconder uma sexualidade cada vez mais deixada à sombra. A sexualidade perversa, que não é compatível com a atitude da cosciência pode ser comparada à prisão de Cronos no útero materno, enquanto
aspecto da personalidade totalmente submerso no inconsciente e suas bases instintivas.
Segundo sua biografia, Nelson teria presenciado o assassinato do irmão, episódio extremamente traumático em sua vida.O fato teria ocorrido quando este tinha 17 anos na redação de jornal do seu pai onde Nelson trabalhava. A causa da morte seria uma matéria que havia saído no dia anterior revelando o adultério por parte da esposa de um casal de alta sociedade. Eis que então, essa senhora vai até o jornal com o intuito de se vingar do pai de Nelson e não o encontrando, dispara um tiro contra o irmão. Dois meses mais tarde, o pai morre profundamente deprimido pelo assassinato do filho em seu lugar, de derrame cerebral. E nesse drama novelesco vemos novamente a questão da hipocrisia social que parece impulsionar o autor no seu trabalho de despir seus personagens até de suas personas até as raízes sombrias e arquetípicas.
Mas, o conflito com o pai coletivo moralista é também interno, pois,
enquanto homem de sua época, Nelson era uma personalidade marcada por grandes contradições, um conservador que ao mesmo tempo proclamava a liberdade, o que novamente nos remete à imagem de Cronos. “Sou um homem que cultiva velhos sentimentos de culpa. Lembro-me de coisas que fiz aos sete, oito anos. Não tenho ilusões. O canalha é uma dimensão que existe em mim ou
em qualquer um. Eis que, nas minhas insônias, me pergunto: -‘O que é que eu fiz?’.” (Castro, org., 1997:48).
Os vários relacionamentos extra-conjugais mantidos ao longo da vida
paralelos à um casamento indissolúvel com uma mulher bastante idealizada revela um drama comum do homem cristão que dividido, não consegue integrar os aspectos telúricos e espirituais de sua anima.
Os aspectos telúricos, ligados ao corpo, aparecem contaminados pela sombra, o que se revela nos componentes histéricos presentes em quase todos os personagens femininos de Nelson. A imagem da mulher ainda bastante presa à imagem materna gera uma cisão em que pureza e sexualidade se antagonizam. Em Álbum de Família o personagem Guilherme, um típico Puer Aeternus, referindo-se a mãe, diz que esta não poderia tomar conta da sua irmã pois “é uma mulher casada, conhece o amor — não é pura.” A irmã, no caso aparece como um duplo virginal da mãe.
“A contradição só aparece quando começa o desenvolvimento pessoal da psique e quando a razão descobre a natureza irreconciliável dos opostos. A consequência dessa descoberta é o conflito da repressão. Queremos ser bons e portanto devemos reprimir o mal, e com isto, o paraíso da psique coletiva
chega ao fim. A repressão da psique coletiva foi uma condição necessária ao desenvolvimento da personalidade.” (Jung, 1996:24).
Nas palavras de Nelson:
“Só não estamos de quatro, urrando no bosque, porque o sentimento de culpa nos salva.” (Castro, org., 1997:48).
Porém, a repressão dos aspectos telúricos do feminino pode ter um efeito sombrio contaminador sobre a sexualidade e também a matéria. O mundo material torna-se ameaçador o que se acentua num tipo intuitivo como se supõe ter sido Nelson Rodrigues:
“O mundo é a casa errada do homem. Um simples resfriado que a gente tem, um golpe de ar, provam que o mundo é um péssimo anfitrião. O mundo não quer nada com o homem, daí as chuvas, o calor, as enchentes e toda sorte de problemas que o homem encontra para a sua acomodação, que, aliás, nunca se verificou. O homem deveria ter nascido no Paraíso.””(id. Ibid.:115)
Rui Castro que escreveu uma biografia sobre o autor relata algumas
manifestações do insconsciente em Nelson: “…seus apelos à sensibilidade ficaram tão agudos que começou a enxergar miragens. Em ‘O elogio do silêncio ’, de 23 de fevereiro, Nelson viu ‘flores que se transformam em lindos seios de mulher, seios que acabam como botões de rosa’. Em ‘A felicidade’, de 8 de março, comparou a lua a ‘uma prostituta velha que ainda se julga apetecível para rapazes que zombam dela’. E em ‘Palavras ao mar’, de 22 de março,
descreveu ondas que ‘depois de altanarem num arremesso formidável, caem
ruidosamente no torvelinho branco de espumas, parecendo um bando de mulheres se contorcendo em convulsões de amor’.” (1992: 65)
A estreita relação com o inconsciente conduziu o autor para além da dimensão pessoal e por tocar em questões coletivas seu teatro chocava, incomodava, gerava polêmica. É no seu trabalho como dramaturgo que Nelson Rodrigues vai transcender a oposição e conflito. Através de seu dom hermeneutico de escritor, que lhe permite comunicar o que se passa nos subterrâneos da psique, ele consegue unir profano e sagrado. “Mais importante são os ovários
da alma. Os verdadeiros órgãos sexuais estão na alma!” (Castro, org., 1997:12)
Por vários aspectos, podemos fazer um paralelo entre à personalidade e obra de Nelson e a imagem do deus grego Dioniso. Nesse sentido vale a pena ressaltar o sentimento de aversão e estranhesa que suas peças sucitavam.
A reação negativa que sua obra despertava nos remete à perseguição de Dioniso pela rainha dos deuses, Hera:
“Através de um fragmento de Plutarco, concernente às antigas festas beócias das ‘Dédalas’, em honra de Hera, ficamos sabendo que, em Atenas, e possivelmente na Beócia, se evitava cuidadosamente todo e qualquer contato entre os objetos que pertenciam ao culto de Hera e aqueles pertencentes ao
de Dioniso… A verdadeira muralha que separava os dois cultos era certamente consequência das características muito diferentes desse par antitético: de um lado, Hera, a teléia, a saber, a protetora dos casamentos, de outro, Dioniso, o deus das orgias, dos ‘desregramentos’.” (Brandão, 1996:121)
No entanto, sua arte representa uma reação criativa contra o que seriam as forças destrutivas de Hera, causadora do despedaçamento de Dioniso Zagreu.
Do mesmo modo como Hermes salva Dioniso é através da sua arte que Nelson vai possibilitar essa convivência dos deuses rivais.
Em última análise, pode-se dizer que Nelson possuia uma sabedoria sobre os pântanos da alma humana o que revela um contato com o que Moore e Gillete chamam de arquétipo do Mago.
“O arquétipo do Mago num homem é o seu ‘detector de mentiras’, ele percebe a falsidade e exercita o discernimento. Ele descobre a maldade onde ela estiver oculta por trás da bondade, como tantas vezes acontece.” (Moore e Gillette, 1993:98).
A obra
“Para salvar a platéia, é preciso encher o palco de assassinos, de
adúlteros, de insanos, em suma, de uma rajada de monstros.”
(Castro,org.,1997 :161).
As peças de Nelson Rodrigues podem ser divididas em três grupo temáticos: peças psicológicas, míticas e tragédias cariocas. Suas peças sempre girariam em torno dos mesmos mitologemas, caracterizando também seu estilo inconfundível. Ocorre que em certo momento da obra de Nelson há um aprofundamento até raízes bem primitivas do homem.
Esse caminho que Nelson percorre com sua dramaturgia assume a forma espiralar onde o autor vai percorrendo os mesmo temas com diferentes personagens que vão se tornando cada vez mais despidos de suas personas, instintivos e semelhantes à personagens míticos. Tal movimento se assemelha ao termo alquímico utilizado por Jung, circumambulatio, o andar em torno de um símbolo.
Assim analisa Sábato Magaldi, crítico e admirador da obra rodriguiana:
“A evolução dramatúgica de Nelson levava inevitavelmente a esse mergulho na inconsciência primitiva do homem. A Mulher Sem Pecado já estava carregada de motivos psicológicos, prestes a romper as barreiras da censura interior.
Vestido de Noiva rasgou o véu da consciência, para dar livre curso às fantasias do subconsciente. Na exploração das verdades profundas do indivíduo, o passo seguinte se dirigiria para o estabelecimento dos arquétipos, dos mitos que se encontram nas origens das nossas forças ‘vitais
’. A menos que traísse sua vocação autêntica, Nelson teria mesmo que escrever Álbum de Família. ” (Rodrigues,1981:14)
Porém, a exposição que lhe traria este percurso constituia em si um ato heróico. Foram justamente suas peças míticas que lhe renderam o maior número de críticas.
“Álbum de Família, a tragédia que se seguiu a Vestido de Noiva, inicia meu ciclo do ‘teatro desagradável’. Quando escrevi a última linha, percebi uma outra verdade. As peças se dividem em ‘interessantes’ e ‘vitais’… todas as peças vitais, pertencem ao ‘teatro desagradável’. A partir de álbum de Família, tornei-me um abominável autor. Por toda parte, só encontrava ex-admiradores. Para a crítica, autor e obra estavam justapostos e eram
ambos ‘casos de polícia’.” (id. Ibid.:13,14)
O teatro desagradável nos remete aos primórdios da tragédia grega bem como ao seu patrono, Dioniso.
Segundo Junito Brandão, “a tragédia seria uma evolução do ditirambo através do drama satírico”. (1996: 128). Brandão explica que o ditirambo era uma canção coral que tomava parte nos ritos sacrificiais dionisíacos e que foi se tornando com o tempo um gênero literário. Os coros ditirambicos se apresentavam nas Dionísias Urbanas, festas que celebravam a primavera e que
terminavam com a apresentação de três tragédias e um drama satírico. Tudo isso se passando em torno do altar de Dioniso.
Sendo assim, compreender o teatro dentro do contexto religioso de que fazia parte ajuda-nos a perceber o significado mais profundo e a função social que este adqüiria, no sentido de encarnar forças inconscientes, arquetípicas,
ameaçadoras, possibilitando assim um certo controle e purificação. Este era o teatro que Nelson Rodrigues buscava e que muito se distancia da idéia atual de um mero entretenimento. O teatro, como tal, adqüiria um papel terapêutico.
Segundo Jung, “todo complexo autônomo ou relativamente autônomo tem a particularidade de apresentar-se como personalidade, ou melhor, personificado.” (1985: 392). Desse modo, o teatro aparece como uma forma lúdica de interagir com essas forças inconscientes, personificando-as arbitrariamente, sem que se corra o risco de uma invasão.
“La violencia es una violencia contenida dentro de los limites del juego, del acto ludico y, por eso, puede ser purificante.” (Maldonado, 1974:139).
O movimento de descida às profundezas do inconsciente de onde o espectador emergiria transformado assemelha-se à catábase, ou seja, a descida ao reino dos mortos, seguida de uma anábase, tal como ocorre no mito de Dioniso.
Outro aspecto de Dioniso que se relaciona a obra de Nelson Rodrigues é o entusiasmo. “O entusiasmo é ter um deus dentro de si, identificar-se com ele, co-participando da divindade.” (Brandão, 1996:136)
E de fato, todos os personagens do autor, principalmente os femininos, em determinado momento sucumbem, como que possuidos por uma força estranha, uma outra voz que fala por eles, numa espécie de transe histérico.
Enquanto deus da fertilidade Dioniso está relacionado às orgias. Aqueles que não honravam ao deus no mito eram castigados pela loucura, por uma espécie de frenesi que os conduzia a um final trágico. Porém, a possessão pelo deus através do entusiasmo também fazia parte de seus cultos. Portanto, de acordo
com o mito é forçoso o relacionamento com Dioniso, ele é um deus que nos possui e se não é aceito, reconhecido em seu poder de divindade sua imposição se dá de forma violenta e devastadora.
O deus tinha que ser honrado como tal e na Grécia Antiga tal homenagem se prestava nas Antestérias, a festa sagrada do vinho, onde os participantes se embriagavam e dançavam até o semi-desfalecimento, segundo nos conta J. Brandão.
“Evidentemente, essa superação da condição humana e essa liberdade, adqüirida através do ékstasis, constituiam, ipso facto, uma libertação de
interditos, de tabus, de regulamentos e de convenções de ordem ética, política e social, o que explica, consoante Mircea Eliade, a adesão maciça das mulheres às festas de Dioniso. E, em Atenas, as coisas eram claras: Nada mais repremido e humilhado do que a mulher.” (Brandão, 1996:136).
Porém, se Dioniso já é um deus incompatível à ordem, num mundo cada vez mais orientado pelo Logos e suas tentativas de organização e controle, tudo que manifeste uma esfera mais animal, corporal, instintiva, por assim dizer, definitivamente perde o seu lugar sagrado. Há uma analogia na descrição do que seria uma possessão pelo deus com as patologias histéricas e os
transtornos maneiformes. A cisão Apolo-Dioniso revela a cisão mente-corpo. A reconstituição deste espaço dionisíaco, pelo teatro, talvez seja um grande valor da obra de Nelson Rodrigues e possivelmente uma das razões pelas quais suas peças continuem a exercer fascínio, pois aquilo que está na sombra causa aversão mas também curiosidade, é sedutor. O teatro é um lugar social
no qual Dioniso pode transitar. E Dioniso é também deus da fertilidade e como tal garante a renovação da vida.
As peças míticas se encerram com Senhora dos Afogados, peça inspirada na Oréstia, a trilogia de Ésquilo. É curioso notar a simbologia do mar na trama: “Há também um personagem invisível: O mar próximo e profético, que parece estar sempre chamando os Drummond, sobretudo as mulheres.” (Rodrigues,1981: 259).
“Um mito da cidade tebana de Tanagra, conservado por Pausânias, atesta que as mulheres tinham por hábito purificar-se no mar, antes de se entregarem às orgias báquicas”. (Brandão,1996: 116). De acordo com J. Brandão as próprias bacantes eram muitas vezes chamadas de “mulheres do mar”o que remete à outra visão do Nelson adolescente em que as ondas se transfiguravam em mulheres se contorcendo nas convulsões do amor. As mulheres e a histeria são símbolo de uma situação coletiva.
Álbum de Família
“Ai do que vive sem horror. Pois é o espanto que nos salva. Aquele que sebhorroriza pode esperar ainda a ressurreição”
As tragédias, a partir de Álbum de Família, trazem um traço de
atemporalidade e seus personagens atingem uma dimensão sobre humana, agindo
como marionetes de seus desejos.
A trama da peça se desenrola numa fazenda em Colgonhas, como num lugar perdido no tempo e no espaço. A única marca de tempo nos é passada através de um speaker, representante do que seria a opinião pública e de uma consciência meio débil, que narrando algumas fotos, tiradas ao longo da história, faz comentários de senso comum completamente alheios aos verdadeiros fatos. O speaker é a única relação com o mundo concreto e civilizado.
“Nelson propôs em Álbum de Família um exercício de autenticidade absoluta.
As personagens decidiram abolir a censura — engodo da conveniência que lhes permite o convívio -, para vomitar a sua natureza profunda, avessa a quaisquer padrões.” (Rodrigues,1981:15).
Desse modo somos transportados para um mundo sem lei, matriarcal, como que anterior à civilização, aonde apenas existe o desejo.
A peça se inicia com os gemidos de uma menina parindo que vai ser escutado ao longo de toda a trama. Logo descobrimos que a menina está grávida de Jonas que, apesar de casado com D. Senhorinha, manda a cunhada trazer-lhe meninas novinhas, virgens, para com ele se deitarem. Todas as meninas engravidam e acabam morrendo na hora do parto pois “não têm quadris”. Essa imagem forma um pano de fundo sacrificial sobre o qual a história da família
vai se desenrolar.
A figura de Jonas se assemelha a de Jesus Cristo. Ele se apresenta como o pai fecundador. Jonas teve relações sexuais com todas as mulheres da casa, exceto com a filha por quem é perdidamente apaixonado e a quem mantém num internato, protegida como uma virgem imaculada.
Vemos aqui Jonas representar o que se poderia ser chamado de imagem do pai fecundador, o princípio masculino celeste que vai fertilizar a terra. No entanto, a terra, simbolizada pelas virgens ainda não é capaz de gerar, o que vem caracterizar esse masculino abusador, descomedido, em hybris. Em nenhum momento há qualquer interdito em relação ao ato de Jonas, de modo que
as virgens vão morrendo desamparadas sem que nada intervenha à seu favor, o que situa Jonas numa dimensão sobre-humana.
No caso da peça as virgens são colocadas como meninas do campo, meio selvagens, o que as liga ainda mais simbólicamente à terra, há uma terra virgem a ser iniciada pelo espírito do Logos, porém a cena é a de horror pela destruição que esse masculino causa.
Outra imagem paterna é a de um avô que surge trazendo sua neta para Jonas.
Esse avô é descrito como um velho de cajado, barbas bíblicas e um pé com elefantíase. Essa figura nos remete a imagem de Édipo, em sua etimologia
Oidípus, “o de pés inchados”.
A imagem de Édipo pode nos falar de um desejo regressivo que atrapalha o indivíduo a caminhar para frente. Somos então levados para um universo primitivo. O símbolo do incesto muito presente na peça assim como na tragédia de Édipo poderia refletir esse desejo regressivo de retorno às origens, à um estado urobórico, de fusão a mãe e com o inconsciente, aonde não existem limites nem leis. Mais do que o desejo sexual pela mãe em si aqui se trataria de um movimento regressivo da libido.
Na peça esse desejo é expresso pela fala de Edmundo, o filho apaixonado pela mãe D. Senhorinha: “Eu acho que o homem não devia sair nunca do útero materno. Devia ficar lá, toda a vida, encolhidinho, de cabeça para baixo, ou para cima, de nádega, não sei”.
D. Senhorinha vai representar então essa Grande Mãe sedutora cujos filhos são apaixonados. O filho mais novo Nonô tendo realmente se fusionado com a mãe e realizado o desejo incestuoso, regrediu à um estado animal e ao longo
da peça fica uivando nú ao redor da casa.
D. Senhorinha é apresentada como essa mãe extremamente sedutora, de uma beleza quase divina que ninguém pode resistir, “até a própria mãe gostava de admirar-lhe o corpo enquanto a assistia se banhar”. Segundo a fala de Tia Rute, sua irmã feia: “... Ser bonita assim é até imoralidade porque nenhum
homem se aproxima de você sem pensar em voçê PARA OUTRAS COISAS”. E D.
Senhorinha é a imagem da mãe que corresponde ao amor dos filhos e só consegue se sentir atraída por eles. Essa imagem da deusa Afrodite, uma Grande Mãe que se atrai por adolescentes que sempre terminam tragicamente, metamorfoseados em flor ou morrendo precocemente.
Afrodite, é uma imagem do poder atrativo do inconsciente mas também está relacionada ao desejo perverso com tudo o que tem de despedaçador enquanto irreconciliável com a consciência. Um dos castigos infringidos por Afrodite aos que ofendiam a deusa era justamente o desejo incestuoso, tal como ocorre com Mirra e Fedra.
D. Senhorinha é uma imagem da Grande Mãe devoradora que concebe a vida mas também a destrói por não aceitar que estes se separem dela: “Não botei meus filhos no mundo para dar a outra mulher!” Assim como Afrodite quando a descobre a paixão de Eros por Psiqué “Porventura desejas impor-me uma rival como Nora? Julgas realmente devasso, asqueroso, sedutor intolerável, que
somente tu podes ter filho e que eu, por causa da minha idade, não poderia conceber?” (Brandão, 1996:215).
Desse modo em Álbum de Família Nelson propõe um mergulho nesse mundo matriarcal, instintivo, caótico aonde a razão não pode penetrar. A peça termina com a morte de todos e com a fuga da mãe e seu filho amado para viverem juntos. Ao fundo se ouve uma marcha fúnebre. A morte traz a questão sacrificial, uma possivel redenção, transformação do desejo e um princípio de consciência.
Conclusão
“É preciso ir ao fundo do ser humano. Ele tem uma face linda e outra
hedionda. O ser humano só se salvará se, ao passar a mão no rosto,
reconhecer a própria hediondez” (Castro, org.,1997: 152).
Através da análise da vida e obra de Nelson Rodrigues encontramos a figura do deus grego Dioniso.
A sexualidade na época de Nelson Rodrigues se encontrava dissociada e reprimida por uma moral e princípios cristãos que refletiam uma cisão mente-corpo. Essa moral repressora, causa das grandes histerias do século XIX, sobrevive ainda na mentalidade do brasileiro da primeira metade do séc.XX e remete à um drama arcaico que se relaciona à imagem do deus grego
Dioniso, o de um lado instintivo que não pode ser conciliado com a cultura.
No entanto, através da interação criativa com o deus proposta pelo teatro se encontra a possibilidade de uma renovação da vida a medida que Dioniso é também um deus da fertilidade. No caso, a fertilização da consciência pelo inconsciente, por tudo aquilo que não se tem contato devido às interdições ou falta de referência externa indo repousar na sombra.
A concretização através dos personagens desse lado primitivo que o homem civilizado sequer pode reconhecer como pertencente a si adquire uma função purificatória. No encontro com o sombrio, grotesco e desagradável existem possibilidades de vida e criação pois a moralidade rígida atende mais à um ideal de perfeição do que de totalidade. A totalidade de anjo pornográfico, capaz de interagir com diferentes aspectos do ser.

Referências bibliográficas
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MOORE, R. e GILLETTE, D. (1993). Rei, Guerreiro, Mago, Amante: A
redescoberta dos Arquétipos do Masculino. Rio de Janeiro: Campus.
RODRIGUES, N. (1981). Teatro Completo de Nelson Rodrigues, vol.2. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira.
Anexo — Obra completa:
Peças:
Peças psicológicas
A mulher sem pecado
Vestido de noiva
Valsa n° 6
Viúva, porém honesta
Anti-Nelson Rodrigues
Peças míticas
Álbum de família
Anjo negro
Dorotéia
Senhora dos afogados
Tragédias cariocas
A falecida
Perdoa-ma por me traíres
Os sete gatinhos
Boca de ouro
O beijo no asfalto
Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária
Toda nudez será castigada
A serpente
Livros:
Romances
Meu destino é pecar,“O Jornal” - 1944 / “Edições O Cruzeiro” - 1944 (como
“Suzana Flag”)
Escravas do amor, “O Jornal” - 1944 / “Edições O Cruzeiro” - 1946 (como
“Suzana Flag”)
Minha vida, “O Jornal” - 1946 / “Edições O Cruzeiro” - 1946 (como “Suzana
Flag”)
Núpcias de fogo, “O Jornal” - 1948. Inédito em livro. (como “Suzana Flag”)
A mulher que amou demais, “Diário da Noite” - 1949. Inédito em livro. (Como
Myrna)
O homem proibido, “Última Hora” - 1951. “Editora Nova Fronteira”, Rio, 1981
(como Suzana Flag).
A mentira, “Flan” - 1953. Inédito.. (Como Suzana Flag).
Asfalto selvagem, “Ultima Hora” - 1959-60. J.Ozon Editor, Rio, 1960. Dois
volumes. (Como Nelson Rodrigues)
O casamento, Editora Guanabara, Rio, 1966 (como Nelson Rodrigues).
Asfalto selvagem - Engraçadinha: seus amores e pecados, “Companhia das
Letras”, São Paulo.
Núpcias de fogo, “Companhia das Letras”, São Paulo. (como Suzana Flag).
Contos
Cem contos escolhidos - A vida como ela é..., J. Ozon Editor, Rio, 1961.
Dois volumes.
Elas gostam de apanhar, “Bloch Editores”, Rio, 1974.
A vida como ela é — O homem fiel e outros contos, “Companhia das Letras”,
São Paulo, 1992. Seleção: Ruy Castro.
A dama do lotação e outros contos e crônicas, “Companhia das Letras”, São
Paulo.
A coroa de orquídeas, “Companhia das Letras”, São Paulo.
Crônicas
Memórias de Nelson Rodrigues, “Correio da Manhã” / “Edições Correio da
Manhã”, Rio, 1967.
O óbvio ululante, “O Globo” / “Editora Eldorado”, Rio, 1968.
A cabra vadia, “O Globo” / “Editora Eldorado”, Rio, 1970.
O reacionário, “Correio da Manhã” e “O Globo” / “Editora Record”, Rio, 1977.
O óbvio ululante — Primeiras confissões, “Companhia das Letras”, São Paulo,
1993. Seleção: Ruy Castro.
O remador de Ben-Hur - Confissões culturais, “Companhia das Letras”, São
Paulo.
A cabra vadia - Novas confissões, “Companhia das Letras”, São Paulo.
O reacionário - Memórias e Confissões, “Companhia das Letras”, São Paulo.
A pátria sem chuteiras - Novas crônicas de futebol, “Companhia das Letras”,
São Paulo.
A menina sem estrela - Memórias, “Companhia das Letras”, São Paulo.
À sombra das chuteiras imortais - Crônicas de Futebol, “Companhia das
Letras”, São Paulo.
A mulher do próximo, “Companhia das Letras”, São Paulo.
Cristiana Volas Psicóloga arte-terapeuta

psichos: OS PLANOS DIMENSIONAIS, OU AS DIMENSÕES DO MUNDO.


A Balança Eletronica e as Telas

O que acontece e coloca você nesta dimensão, em qualquer dos sete planos, ou em qualquer dos sete sub planos deste plano, desta dimensão. É o mesmo que se realiza, pará colocar você em qualquer dimensão deste mundo, ou dos outros três mundos. A sua consciência que é eletrônica.
Esta consciência é ligada diretamente ao cociente da razão da massa do
elétron que qualifica o átomo, as moléculas, as células, etc e que dimensão
de mundo é, está. E que mundo é este.
A razão da massa é o percentual das energias do sistema de força.
Para efeito de raciocínio, vamos denominar as dimensões do mundo e os outros três mundos e suas dez manifestações como, O LUGAR.
Nós sabemos, que o ponto de equivalência relativa do universo, que chamamos de ( E ) é diretamente ligado a sua consciência.
Sabemos que a massa ( m ) é um sistema de forças.
Aprendemos que ( C² ) é a luz calculada, em 300 mil km / segundo ao quadrado no éter.
Na equação.
E = m . C²
Para efeito didático, para o nosso aprendizado, só em nível atômico ( m ) a
massa terá cociente, igual ou menor, que a unidade ( 1 ).
Ex:
Cociente de m = 1 e C² = 300 mil Km / seg². Logo: E = C²
Cociente de m < 1 e C² = 300 mil Km / seg². Logo: E < C²
Quando o cociente de m = 1, o sistema de forças de m está em equilíbrio.
Fora isto, o sistema está desequilibrado e gerando o Lugar, fora da unidade.
Vamos estudar a possibilidade que é a nossa realidade no sistema de força.
Baseado no cociente da razão da massa. Para tanto necessitamos de dois
números que serão colocados como numerador e denominador que resulta no cociente e que serve como base de nossa consciência.

O Lugar e a realidade do ego na terceira dimensão.
O cociente é sempre menor que a unidade pois a nossa realidade coloca a
consciência na massa do ego que contém a dualidade que é estabelecida em percentual da realidade deste sistema de força.
m = bem x mal ( dualidade )
Ex: : m = 98% bem x 2% mal,

Para calcular o cociente temos que colocar estes números como numerador e denominador que nos dê cociente menor que um. Das quatro possibilidades somente duas nos dão cociente menor, pois o numerador da razão tem que ser menor que o denominador.
Cociente= 2% bem / 98% mal
ou
Cociente= 2% mal / 98% bem
O cociente é igual, o que difere é o percentual de bem x mal, mas estes dois
seres com este percentual serão colocados na mesma tela pois são
considerados antagônicos ficarão na mesma tela pois possuem cocientes iguais
É nesta tela que terão que reequilibrar até a unidade o cociente do
percentual que foi gerado por eles.
TELAS são onde o " projetor de cinema ' antepara o seu filme, que neste caso é O LUGAR que você gerou, para você, através do percentual do sistema de força.
Vamos estudar os exemplos.
No primeiro exemplo a consciência do cociente o coloca na tela onde o bem é 2% e o mal 98%. A pessoa terá que procurar reequilibrar ate o cociente unitário. Como? Aproveitando O LUGAR pois é aqui e agora que existe a possibilidade através do outro, de situações e de ocasiões com palavras sentimentos, pensamentos e ações que complementem este sistema de forças.
Através de cantos, orações, preces, mantras, decretos, apelos, etc.. Que
estão em todas as religiões.
Através do Espírito Santo ou da Chama VIOLETA.
Através do seu trabalho pessoal ou principalmente de nossas relações.
Lembre-se que é aqui e agora que você tem que apagar memórias de causas
agindo diretamente nestes efeitos na tela.
No segundo exemplo o percentual de bem 98% x mal 2% que foi o exemplo
clássico de JESUS e Ele nos ensinou como sair deste cociente nesta dimensão com relações e serviços ao outro e a dimensão. Com sua Presença física absorvia o mal e transmutava através da ação e ensinamentos do bem.
Através do que chamamos Milagre absorvia o mal físico do outro e no seu
sistema de força fusionava o mal que absorvera com seu grande caudal de bem.
Fusionava! Fusionava! e Fusionava! Tudo e a todos e caminhava rumo a unidade através da Fusão.
Aos trinta e três anos pode concluir em beneficio da liberdade de todos
através do seu grande percentual de bem presente no seu sistema de forças a conclusão da fusão das forças do mal. Através do mistério do martírio e da crucificação e pode absorver o mal e fusionar com o seu bem e Ascender.
A BALANÇA.
Tomemos uma balança como exemplo. São pratos cada um com 50% de peso em cada prato e equilibrada na unidade. A razão 50% / 50% nos dá o cociente um que nos coloca em uma consciência de unidade.
Ao começar a colocar peso (força) em um dos pratos, o outro se desloca e
qualquer que seja, imediatamente a balança nos mostra uma variação na
unidade, que para o nosso estudo, será sempre menor.
Já estamos em outro sistema de forças, vamos dizer que tenha sido de 1% para um prato e para o outro também. Ex: 49% x 51% já existe uma consciência de um cociente nesta razão.
Na variação de 1% temos possibilidades infinitas de criações de sistema de
forças com consciências, que provêem de cocientes de razões as mais
variadas.
Vamos voltar ao primeiro exemplo, cujo percentual de quantidade na razão é de 2 % de bem e 98% de mal. O cociente da razão é de 0,02 e esta tela se
abre para cocientes de 0.02. Para o equilíbrio do sistema de forcas desta
tela também aqui são colocados cocientes de 0,02 da razão, como a do segundo exemplo, 2 % de mal e 98% de bem.
Quando colocamos os valores na balança, vemos as seguintes variações:
Balança em equilíbrio pratos com 50% cada.

Balanças em desequilíbrio pratos com 2 % e 98 %.
Tanto no exemplo um, como no dois, o peso ou a força que tem que se fazer para deslocar o prato da balança do percentual de 98 %, é muito grande. Vocên vai necessitar de um grande esforço para reequilibrar o cociente o mais perto da unidade possível.
O cociente da razão dos dois exemplos é o mesmo, porém a consciência é
diferente pois no exemplo um ela é do mal e a do exemplo dois é do bem.
O esforço que elas deveriam fazer para o reequilibio para a unidade seria a
mesma força no prato da balança de percentual dois. Mas sua consciência não permite porque é muito difícil para uma pessoa de consciência do bem fazer um esforço do mal e vice e versa.
A postura adequada para que tem vontade de libertar-se do cociente em que se encontra em qualquer consciência é sempre ABSORVER.
Absorver o mal e o bem das relações, do ambiente, das ocasiões, das
situações a todo momento, aqui e agora, em qualquer lugar e assim poder se libertar.
Você absorve o que lhe falta no prato mais vazio e coloca a disposição para
que seja absorvido o que lhe sobra.
Quando você absorve ou é absorvido o seu cociente se modifica e sua
consciência muda se você mantém esta postura e essa vontade logo, você terá reduzido os seus percentuais convergindo para percentuais de razão que lhe darão cociente perto da unidade ou quem sabe até a própria unidade.
Lembre-se que o símbolo da Justiça é uma balança e Ela, tem os olhos
vedados, pois a Ela não interessa, se a sua consciência é do bem ou do mal.
Ela, lhe apresenta simplesmente uma balança e para todos, indistintamente,
dá a oportunidade de LIBERDADE.

Ah! Pode ficar tranquilo, que eu sei que "...mas não é bem assim".
JGB



Sub umbra alarum tuarum intineris in pat laudabilis divinitas...
Sissy

MAGIA: A Água e o Ar Filosofal


Harpócrates pertence ao domínio da Água e das suas profundezas e Hórus ao do Ar pela sua máscara de Falcão. Isto é muito interessante porque, na minha opinião, refere-se secretamente ao trabalho espiritual e mágico das próximas centenas de anos. Nós sabemos que as constelações não tem o mesmo tamanho de longitude na elíptica, por isso não se pode aplicar a divisão das eras em função dos signos que tem longitude igual. O zodíaco tropical é apenas uma convenção astrológica. As eras baseiam-se nas constelações e não nos signos!

Sabemos também que no zodíaco astronómico há constelações que se sobrepõem: no nosso caso o fim de Peixes sobrepõe-se sobre a ânfora do Aquário. Temos assim o caso invulgar na historia das Eras que a partir mais ou menos de 2.130 a humanidade é regida simultaneamente por Duas Eras ou Duas Fases de Evolução Espiritual: um signo de Água (Harpócrates) e um de Ar (Hórus). Esta Duplicidade de um Arquétipo Divino deve referir-se a esta dupla influência espiritual: uma influência que vem do passado distante (o terceiro decanato é regido por Neptuno, um planeta feminino: as religiões femininas?) e outra influência que vem do futuro próximo (o principio masculino solar de Horus: a religiosidade solar e xamânica?).

O Aeon De Hórus é a consagração da união das polaridades físico-divinas. Nela, pela Lei do "Faz a Tua Vontade é o Tudo da Lei", se dá primazia à intensidade do vivido, tal como vemos representado na liberdade dionisíaca de Babalon unida ao macho Leão. Ele realça o papel da sacramentalização dos instintos sexuais e de toda a vida física, na plenitude da sua expressão sexual e d a sua veneração pela natureza. A ideia consagrada logo na abertura do LL de que "Todo o Homem e Toda a Mulher é uma Estrela" dá primazia à experiência pessoal e directa como critério fundamental de validação de uma via espiritual, e diz-nos que cada ser humano é nas suas diferenças idiossincráticas um ser único, irredutível ás morais homogenizadoras e grupalistas. Dessa forma estabelece como primado da moral iniciática e religiosa o príncipio da tolerância das vias espirituais, desde que conforme à nossa Verdadeira Vontade.

MAGIA: eras astrológicas, As Eras e as Forças Espirituais


Mas qual a utilidade deste conceito de Era para o trabalho espiritual? È que na minha opinião deve-se trabalhar espiritualmente em concordância com as suas influencias, ou se quisermos sob as vibrações de certas entidades espirituais que as regem. usando esta sintonia e simpatia cósmica estamos no caminho evolutivo mais correcto e mais rápido para o humano atual. No tempo de Cristo e dos Cabalistas passados, por exemplo, certos mantras sagrados e certas técnicas meditativas e rituais traziam essas influências espirituais ao equipamento cognitivo humano como estimulo do desenvolvimento espiritual, tal como vemos em expressões como ICHT no Cristianismo antigo ou o INRI, ou então como o IESHEVEA dos cabalistas da Golden Dawn.

Crowley veio dizer, por isso, que o sistema da Golden Dawn, e os métodos da Velha Era por ela herdados e desenvolvidos, eram caducos para o desenvolvimento espiritual actual da humanidade. Os mantras de força que se trabalham no ritual telemico, como THELEMA, AGAPE, LASHTAL, etc., trazem agora essa influencia nova e revolucionaria os processos espirituais como antigamente traziam o INRI, mas num contexto completamente novo e revolucionário para a consciência moderna.

Sob o ponto de vista do Wicca, que trabalha sistemas mais antigos que os cristãos sob o ponto de vista da escalada temporal das eras, pode parecer paradoxal que nós tenhamos tendência a trabalhar com os impulsos da Nova Era. Isso explica porque Gardner insistiu tanto em assimilar material telemico no seio da liturgia wiccan. Seguindo a tendência steieriana de que esta era que vivemos seria regida por Touro-Escorpião, Gardner colocou também o Wicca sob o desiderato da ascese sacramental da sexualidade e de uma ética de harmonia com o mundo natural. A sua filosofia ritual de liberdade dionisíaca e a sua sintonia com as forças de uma nova era espiritual leva-o a usar e abusar de quotações do Livro da Lei e da Missa Gnóstica de Crowley, nos rituais wiccans. Os seus sucessores na pessoa de Doreen Valiente descartaram a partir de inícios dos anos cinquenta a influencia telemica da Wicca inicial, tornando-a uma prática enquadrada na moral púdico-burguesa, com laivos de folclore pagão, que hoje os antropólogos e historiadores consideram ser completamente falso sob o ponto de visto da história.

È paradoxal que embora a Wicca possa parecer caduca, sob o ponto de vista cíclico das eras processionais, nos seus métodos mágico-religiosos após a desfiguração dos materiais gardnerianos feitos por Doreen Valiente e os grupos ecleticos, assim como pela predominância das regras formais de ordem cerimonial tipicas da Maçonaria e da Golden Dawn, ela conservou liminarmente alguns elemntos essencias desta era nova. Um deles é a predomiancia da Deusa no contexto do casal Magico.`Nao deixa de ser curios que a Era de Touro/Escorpião, que Steiner dizia emergir em força no fim da era de Peixes e na era do Aquário, corresponde precisamente ás épocas das Deusas da Fertilidade e à sua emergência nas culturas babilónicas e cretenses, com as suas Deusas das Serpentes, de peitos grandes e nutrientes como a vaca zodiacal. Mas a verdade é esta também: os Deuses Antigos regressaram de novo à humanidade, mas a relação que eles agora nos pedem, ou até exigem em termos de relacionamento interactivo e espiritual, é completamente diferente do das épocas precedentes.

A predominância de material folclórico na Wicca, com o intuito de lhe dar uma aparência de antiguidade, pode ser completamente despropositado. A humanidade já não é a mesma de outrora, sob o ponto de vista cognitivo! Talvez por isso, Gardner tenha instituído a Bruxaria Moderna com características tão telemicas na sua fundação original! O descartamento do telemismo inicial é um regresso a modos de relação mágico-religiosa que são, sob o ponto de vista do impulso das Eras, totalmente obsoletas. O americanismo néo-hippie, pese embora o seu papel revolucionário dos costumes nos anos cinquenta e sessenta, descaracterizou ainda mais o Wicca, pudificando-o num sistema pueril e anacrónico, reconduzindo-o ainda mais fundo aos impulsos da Velha Era.
CONTINUA

codigo da vince: COMENTÁRIOS SOBRE O CONCÍLIO DE CONSTANTINOPLA, APÓS O CONCÍLIO DE NICÉIA, Este texto faz parte de O Livro do Puer de Hillman


Bizâncio, na cidade de Constantinopla, no ano de 869, um Concílio de Bispos da Santa Igreja Católica

Pôr causa daquele Concílio em Constantinopla a alma perdeu seu reino. Nossa antropologia, nossa concepção da natureza humana, passou de um tripartido cosmo de espírito, alma e corpo (ou matéria) ao dualismo de espírito (ou mente) e corpo (ou matéria) . Isto porque, naquele outro Concílio, o de Nicéia em 787, as imagens foram privadas de sua inerente autenticidade.
conforme afirmou Jung certa vez. Ainda estamos procurando reconstituir aquela terceira instancia, aquele reino intermediário da psique_ que é também o reino das imagens e o poder da imaginação_ da qual fomos exilados pêlos teólogos há mais de mil anos : muito antes de Decartes e das dicotomias a ele atribuídas , muito antes do Iluminismo e do moderno positivismo e cientificismo. Estes remotos fatos históricos são responsáveis pela mal nutrida raiz de nossa cultura psicológica no Ocidente e da cultura de cada uma de nossas almas.
O que o Concílio de Constantinopla fez a nossa alma foi só a culminação de um longo processo, iniciado com Paulo o Santo, de substituir e mascarar, e de para sempre confundir, alma e espírito. Paulo usou psyque, apenas quatro vezes nas Epístolas. Psyque aparece em todo o Novo testamento apenas cinqüenta e sete vezes, comparando-se com as duzentas e setenta e quatro ocorrências de pneuma.2 Que derrota! Destas cinqüenta e sete ocorrências da palavra psyque, mais da metade encontra-se nos Evangelhos e nos Atos. As Epístolas, a apresentação da doutrina, os ensinamentos da escola exporiam sua teologia e psicologia sem demasiada necessidade da palavra alma. Para Paulo, quatro vezes foi suficiente.
O mesmo acontece em referencia a sonhos e mitos.3 O verbo sonhar não aparece no Novo Testamento; sonho (onar) aparece em três capítulos de Mateus (1, 2 e 27). Mytos aparece cinco vezes apenas, pejorativamente. Deu-se ênfase, pôr outro lado, a fenômenos espirituais: milagres, poliglotismo, visões, revelações, êxtase, profecia, fé.
Em virtude de nossa tradição voltar-se sistematicamente contra alma, cada um de nós desconhece as diferenças entre alma e espírito _ confundindo, pôr isso, psicoterapia com disciplinas espirituais, tornando obscuro onde é que elas confluem e onde diferem. Esta tradicional negação da alma persiste em nossas atitudes, sejamos cristaõs ou não, pois cada um de nós é inconscientemente atingido pela tradição de nossa cultura, aspecto inconsciente de nossa vida coletiva. Desde que Tertuliano declarou ser a alma (anima ) naturalmente cristã, tem havido um cristianismo latente, uma espiritualidade antialma, em nossa alma ocidental. Isto levou pôr fim a uma desorientação psicológica e fomos obrigados a nos voltar para o Oriente. No Oriente, nós colocamos, deslocamos, ou projetamos nossa desorientação ocidental. Minha tarefa nesta conferência é reabilitar a alma. Parte desta missão , pôr ser de justiça ritualmente' consiste em assinalar o papel de C. G. Jung em soltar à força os dedos mortos daqueles dignitários na velha Turquia, restaurando a alma como experiência fundamental e como campo de trabalho, e simultaneamente, seu papel em mostrarmos os caminhos _ particularmente através de imagens _ a fim de nos conscientizarmos dessa alma.

II. Psyche e imagem
Os trezentos bispos em Nicéia em 787 defenderam a importância das imagens contra os inimigos delas, o principal deles, o exército do Império Bizantino. Imagens eram veneradas e adoradas em todo mundo antigo _ estátuas, ícones, pinturas e figuras de barro formavam parte dos cultos locais e constituíram o foco do conflito entre cristianismo e as velhas religiões politeístas. Na época do Concílio de Nicéia houve outra daquelas longas batalhas entre iconoclastas e idólatras, como foram relatados na Bíblia e na vida de Maomé, e como sucedeu no Renascimento e na Reforma quando os adeptos de Cromwell quebraram as estátuas de Cristo e de Maria nas igrejas da Inglaterra pôr serem obra do diabo, não-cristãs.
O ódio à imagem, o medo ao seu poder, o horror à imaginação são arcaicos e muito profundos em nossa cultura.
Em Nicéiia , procedeu-se a uma diferenciação sutil e devastadora. Nem os defensores de imagens nem os iconoclastas conseguiram caminho inteiramente livre. Estabeleceu-se uma distinção , de um lado, a adoração das imagens e sua livre formulação e, de outro a veneração das imagens e o controle autorizado sobre elas.4 Os concílios da Igreja repartiram o cabelo ao meio, mas as raízes desses cabelos encontram-se em nossas cabeças e, assim o repartido tem, de fato, profundeza. Em Nicéia, fez-se a distinção entre imagem como tal, seu poder, sua plena realidade divina ou arquetípica, e o que a imagem representa, indica, significa. Desse modo, as imagens tornaram-se alegorias.
Quando imagens se tornariam alegorias, os iconoclastas ganharam a batalha. Retirou-se sutilmente da imagem o seu potencial. Sim, imagens são permitidas, mas apenas se forem oficialmente aprovadas, ilustradas da doutrina teológica5. A espontânea estatuária é espúria, demoníaca, diabólica, pagã, herege. Sim, a imagem é permitida, mas somente para ser venerada pelo que representa: idéias abstratas, configurações, transcendência para além da imagem. Imagens tornaram-se meios de perceber a doutrina, auxiliares na focalização da fantasia. Tornaram-se representações, não mais apresentações, não mais presenças do divino poder.
O ano de 787 marca outra vitória em nossa tradição de espírito suplantando a alma. A ressurreição de imagens pôr Jung, foi um retorno à alma e ao que ele chamou de formação espontânea de símbolos da alma, sua vida de fantasia ( a qual está, conforme observou Jung, inerentemente ligada ao politeísmo).6 Voltando a imagem, Jung retornou a alma, revertendo o histórico processo que em 787 despotenciou as imagens e em 869 reduziu a alma ao espírito racional- intelectivo.
Isto é histórico e, contudo, não apenas histórico. Pois sempre que você ou eu tratamos as imagens como representações de algo mais _ Pênis ou a Grande Mãe, ou Impulso de poder, ou Instinto, ou outro conceito abstrato e geral de nossa preferência _ despedaçamos a imagem em favor da idéia pôr trás dela. Dar à imaginação significados interpretativos é pensar alegoricamente e despotenciar o poder da imaginação.
Neste ponto, desejo recordar-lhes a posição de Jung, a partir da qual desenvolvi a minha. A psicologia de Jung baseia-se na alma. É uma psicologia tripartida. Não se baseia nem em matéria e cérebro, nem em mente, intelecto, espírito, matemática, lógica, metafísica. Ele não usa nem os métodos da ciência natural e da psicologia da percepção, nem os métodos da ci6encia metafísica e da lógica do raciocínio. Ele afirma que tem sua base num terceiro lugar entre ambas: esse in anima, "estar na alma"7. E ele encontrou esta posição ao voltar-se diretamente para as imagens em seus pacientes insanos e em si mesmo durante seus anos de depressão.
A alma e suas imagens, tão longamente alienadas de nossa cultura consciente, podem ser reconhecidas apenas pêlos alienistas. (Ou pelo artista, para quem imaginação e loucura sempre foram primos que se beijam na antropologia de nossa cultura). Desse modo, disse Jung, se você está à procura da alma, busque antes as imagens de sua fantasia, pois é assim que a psique se apresenta diretamente. 8Toda a consciência depende de imagens de fantasia. Tudo quanto sabemos do mundo, da mente, do corpo, ou seja lá do que for, inclusive do espírito e da natureza do divino, vem através de imagens e organiza-se em fantasias segundo aquele padrão. Isto é verdadeiro também em estados espirituais como o de pura luz, ou de vazio, ou de ausência, ou de imersão na beatitude, cada um dos quais é capturado ou estruturado na alma segundo este ou aquele padrão arquetípico de fantasia. 9Porque estes padrões são arquetípicos, sempre nos encontramos nesta ou naquela configuração arquetípica, nesta ou naquela fantasia, incluindo a fantasia da alma e a fantasia do espírito. O "inconsciente coletivo", que abrange os arquétipos, significa nossa inconsciência de fantasia coletiva, dominante em nossos pontos de vista, idéias e comportamentos pôr meio dos arquétipos.
Permitam-me continuar um pouco mais com Jung _ embora já estejamos concluindo a parte abstrata, cognitiva, desta conferência; ele disse: "Todo processo psíquico é imagem e imaginar"10. O único conhecimento, em nós imediato e direto, é o conhecimento destas imagens psíquicas. E mais, quando Jung usa a palavra imagem, não pretende referir-se ao reflexo de um objeto ou a uma percepção; isto é, não se refere a uma memória ou à pós-imagem. Em vez disso, afirma que a palavra deriva de uso poético, a saber, uma figura de imaginação ou uma imagem de fantasia".11
Esta última asserção poderia soltar as amarras do pensamento de quantos me ouvem: pois Jung aqui sugere a base poética da consciência, a consciência baseada nos dados primários, que são poéticos ou místicos, imagens de fantasia. Estes não provem da "realidade". De fato, diz Jung, "a psique cria realidade diariamente. A única palavra com que posso designar esta atividade é fantasia".12
Soletrei toda esta introdução pôr que desejo que entendam o que estou fazendo. Estou mostrando como a alma olha para o espírito, como o pico é visto do vale, do mundo de fantasia que é a cambiante estrutura de nossa consciência e de suas formulações, sempre modeladas pelas imagens arquetípicas. Sempre nos achamos nesta ou naquela metáfora-raiz, fantasia arquetípica, perspectiva mítica. Do ponto de vista da alma nunca podemos sair do vale de nossa realidade psíquica.

III . Alma e espírito
Denominei esta conferência "picos e vales"com a intenção de separar estas imagens umas das outras, a fim de contrastá-las da forma mais vívida possível. Faz parte da separação e do afastamento a emoção do ódio. Sendo assim, espessar-me-ei com ódio e com insistente antagonismo, ou com eris ou polenos, que Heráclito, o primeiro ancestral da Psicologia, afirmou ser o pai do tudo.
O significado contemporâneo de "pico" foi desenvolvido pôr Abraham Maslow, que, pôr sua vez, promovia a ressonância de uma imagem arquetípica, pois os cumes pertencem ao espírito desde o monte Sinai e o monte Olimpo, o monte Patmos, o monte das Oliveiras, e o monte Moriah do primeiro patriarca Abraão. Vocês facilmente darão nomes a mais de uma dúzia de montes do espírito. Não se exige muita explicação para compreender que a experiência do cume é modo de descrever a experi6encia do pneuma e que a ascensão aos picos visa a encontrar o espírito ou é o impulso do espírito à procura de si mesmo. A linguagem usada pôr Maslow, em relação à experiência culminante _ "autovalidante, autojustificante, e carregando consigo seu valor intrínseco", a semelhança de Deus, o absolutismo e a intensidade _ coincide com a maneira tradicional de descrever as experi6encias espirituais. Maslow merece nossa gratidão pôr ter reintroduzido pneuma em psicologia, ainda que seu lance tenha transigido com a velha confusão entre pneuma e psique. Mas o que sucedeu à psique da psicologia?
Vales precisam realmente de explicação mais longa, assim como tudo que se refere à alma precisa ser cuidadosamente imaginado da forma mais exata possível. Vale vem dos românticos: Keats usa a palavra numa carta, e eu retirei de Keats esta passagem como lema psicológico: "Chame ao mundo o vale onde a alma se faz. Descobrirá, então para que serve o mundo".
Vale, na linguagem usual de nossa cultura, indica uma região de emoções deprimentes _ o vale de lágrimas; Jesus palmilhou este lúgubre vale, o vale da sombra da morte. A primeira definição de vale no dicionário Ingl6es de Oxford é uma longa depressão , um oco". Os significados de vale incluem subcategorias inteiras referentes a tristezas tais como o declínio de idade e a velhice, o mundo visto como um lugar de infortúnio e pranto, e o mundo visto como palco do mortal, do terreno, do rasteiro.
Existe também uma associação feminina com vales (ao contrário de picos). Encontramo-la no Tao Te Ching, 6; em metáforas morfológicas freudianas, nas quais o vale arborizado do rio pulsante de vida animal é o equivalente da vagina; e também mitologia encontramos uma conotação feminina para vale. Pois vales são moradas de ninfas. Um dos sentidos mitológicos da palavra ninfa pretende que ela seja a personificação de flocos e nuvens de neblina aderentes aos vales, encostas de montanhas e nascentes. 13Ninfas cobrem de véus nossa visão, conservam-nos míopes, de vista curta, prisioneiros- sem longa distância, sem projeções ou profecias como do alto da montanha.
O par vale–pico também é utilizado pelo décimo quarto Dalai Lama do Tibet. Em carta (a Peter Goullart), ele escreve:
"A relação entre altura e espiritualidade não é apenas metafórica. É uma realidade física. As pessoas mais espirituais desse planeta vivem nos lugares mais altos. À semelhança das flores mais espirituais...Chamo de espírito aos aspectos mais leves e elevados de meu ser e de alma ao mais escuro e pesado.
A alma acha-se em casa nos vales profundos e sombrios. Pesadas flores entorpecidas, saturadas de negro, crescem ali. Os rios fluem como xarope quente. Desembocam em enormes oceanos de alma.
O espírito é uma região de brancos e elevados picos, de lagos e flores cintilantes como jóias. A vida é escassa e os sons viajam grandes distâncias.
Existe música da alma, alimento da alma, doença da alma, e amor da alma...
Quando a alma triunfou, os pastores vieram ao convento dos Lamas, pois a alma é comunitária e gosta de ladainha em uníssono. Mas a alma criativa anseia pelo espírito. Abandonando as selvas da lamasaria, os mais belos monges, um dia, dizem adeus a seus camaradas e iniciam sua jornada solitária rumo aos picos, para ali se unirem ao cosmo...
Nenhum espírito faz choco sobre a soberba desolação; pois a desolação pertence aos abismos, como as linhadas. Nestas altitudes, o espírito abandona a alma bem para trás. Criaturas humanas necessitam escalar a montanha não simplesmente pôr que ela se ergue à sua frente, mas pôr que a divindade plena da alma nessecitam unir-se ao espirito..." (resumo )
Deixe-me salientar uma ou duas pequenas curiosidades nesta carta. Elas nos ajudam a distinguir melhor o contraste entre a alma e espirito. Primeiramente, notaram como é importante ser literal e não "apenas metafórico" quando se adota o ponto de vista espiritual? Este ponto de vista inclui a sensação física da altitude, de "estar alto". Depois, notaram que são os mais belos monges os que deixam seus irmãos, e que sua união se efetua com o cosmo, em núpcias comparadas com a neve? (Em nossa tradição ocidental de caça às bruxas, houve uma época de obsessivo empenho em proteger a alma dos maus espíritos--- e vice-versa--- quando o demônio era identificado com o pênis gelado e o esperma frio.) E, pôr fim, notaram as duas espécies de simbolismo da alma: as flores escuras, pesadas entorpecidas à margem de rios de xarope quente e as flores de pétalas virginais das geleiras?
Estou tentando deixar que as imagens do idioma tracem a distinção. É assim que a alma procede, pois de imagens são feitos os sonhos, reflexões, fantasias, devaneios e pinturas. Podemos reconhecer o que pertence ao espirito pelo seu estilo de imagens e pôr sua linguagem; pôr estes meios, também, reconhecer o que pertence a alma. Dar definições de espírito e alma—um, abstrato, unificado, concentrado; a outra, concreta, múltipla, imanente-- propõe a distinção e o problema em linguagem do espírito. Já teríamos o vale; Estaríamos estabelecendo diferenças como uma inspetor, explicando o que pertence a quem, conforme a lógica e a lei, e não conforme a imaginação.
Consideramos uma cultura mais próxima de casa, apesar de distante no tempo: os primitivos santos do deserto no Egito, a quem chamaríamos de fundadores de nossa tradição de ascetismo, de nossa disciplina espiritual.
Devemos lembrar que estes homens eram Egípcios e, segundo mostrou Violet Mac Dermott14, suas inovações espirituais precisam ser compreendidas à luz de sua formação religiosa egípcia. Como herdeiros de uma resistente religião politeísta, o santo do deserto tentou "inverter os efeitos psicológicos da antiga religião". Sua disciplina aspirava a separar o monge da comunidade humana e também da natureza, ambas de vital importância para a religião politeísta; nesta, o divino e o humano se interpenetravam em tudo (ou seja, no vale, não apenas no pico ou no deserto).Vivemos numa gruta_ o cemitério da antiga religião _ o santo do deserto efetuava uma imitação da morte_ os rigores da disciplina espiritual, suas posturas peculiares, o jejum, a insônia, a treva etc. Estes rigores o ajudavam a resistir ao assalto dos demônios ou a influencias ancestrais dos mortos, bem como à sua própria história pessoal e cultural.
O mundo dos deuses era, no Egito, também o mundo dos mortos.
"Pelos sonhos, os mortos se comunicavam com os vivos... pôr isso, o sono representava o tempo durante o qual sua alma estava sujeito ao corpo e àquelas influ6encias derivadas de sua velha religião... seu ideal era dormir o menos possível".15
Vocês notaram, mais uma vez, o afastar-se do sono e dos sonhos, da natureza e da comunidade, da história pessoal e ancestral, e da complexidade politeísta. Estes fatores, libertar-se do quais é alvo da disciplina espiritual, oferecem indicações específicas sobre a natureza da alma.
Encontramos outro contraste entre alma e espírito, expresso em termos que diferem dos que estivemos examinando, no pequeno volume de E. M. Forster Aspectos do romance, no qual ele ressalta os componentes básicos da arte novelística. Forster estabelece distinção entre fantasia e profecia. Afirma que ambas envolvem mitologia, deuses. Em seguida, ele evoca a fantasia nestes termos:
"... Invoquemos agora todos os seres que habitam o ar inferior, a água rasa, e as colinas baixas, todos os faunos e dríades e lapsos de memória, todas as coincidências verbais, os trocadilhos, tudo que é medieval desde lado da sepultura (pelo qual suponho que ele menciona o rude, o vulgar, o humorístico, o cotidiano, o grotesco e excêntrico, bestial até, mas também festivo).16
Quando Forster trata da profecia, ganhamos novas imagens do espírito, pois a profecia em novela pertence a tudo o que transcende nossas habilidades, mesmo quando é paixão humana que transcende, às divindades da Índia, Grécia, Escandinávia e Judia, a tudo o que é medieval para além da sepultura, e a Lúcifer, filho da manhã (pôr este último, suponho que ele se refere ao "problema do bem e do mal" ). Pôr suas mitologias distinguiremos estas duas espécies de novelas.17
Pôr suas mitologias também distinguiremos nossas terapias. Forster prossegue com a comparação, mas nós a interrompemos aqui, dele extraindo apenas algumas observações feitas durante a leitura. O espírito (ou estilo profético) é humilde, mas sem humor. "Pode implicar qualquer das crenças que perseguiram a humanidade como assombrações -- cristianismo, budismo, dualismo, satanismo, ou apenas a elevação do amor humano e do ódio e a um poder tal que seus receptáculos normais não podiam conte-los." 18(Lembrem-se do lama em núpcias com o cosmo e do santo do deserto, sozinho.) A profecia (ou espírito) é principalmente um tom de voz, um acento, encontrável nas novelas de D. H. Lawrence e Dostoievsky. Fantasia (ou alma, em meus termos) é qualquer qualidade maravilhosa na vida diária. "O poder da fantasia penetra em todo canto do universo; não, porém, nas foças que governam – as estrelas, cérebro do céu, exercito da lei inalterável, permanecem intocada -- e novelas deste tipo têm ar de improviso..." 19Penso, aqui, nas associações livres de Freud como método em psicologia, ou no estilo literário de Jung no qual nenhum parágrafo continua o precedente, ou na imagem de Lévi- Strauss, o "briculeur", o plebeu " pau para toda obra" e sua desordenada associação de colagens, e quanto este estilo psicológico é diferente da meditação intensamente focalizada, o desapegar-se, o esvaziar-se.
Finalmente, para nossos propósitos, Forster afirma sobre as novelas de fantasia ou escritos da alma: "Se um deus deve ser especialmente invocado, vamos recorrer a Hermes-mensageirro, ladrão e condutor de almas...".20
Forster alude a algo mais, relativo à alma (através de sua noção de fantasia) e esse algo mais é a história. A alma nos envolve em história -- a história de nosso caso individual, a história de nossa terapia, a história de nossa cultura. (Vimos os ascetas coptas tentarem superar a história ancestral através de práticas espirituais). Eu também, aqui, uso linguagem da alma, já que a toda a hora recorro a exemplos históricos, como ao velho E. M. Forster, meticuloso homenzinho em seus aposentos de Cambridge, já falecido, e aos falecidos Freud e Jung, retornando a velhos mitos e sua sabedoria, a etimologia e à história em palavras, descendo a localidades geográficas específicas, os vales reais do mundo. Pois assim procede a alma. Assim é o método psicológico; situa-se ele nos limites deste mundo de vales, através do qual a história passa e deixa seus traços, nossos ancestrais".
Os picos aniquilam a história. Ela deve ser superada. História é sumiço, disse Henry Ford, fabricante profético do obsoleto, e o passado é um balde de cinzas,, cantou Sndburg, poeta profético. Os trabalhadores espirituais e os pesquisadores do espírito devem primeiramente saltar sobre as ruínas da história, ou profetizar seu término, ou sua irrealidade, seu tempo ilusório, ilusória a história de suas localidades individuais e particulares, suas raízes religiosas e étnicas ( o inconsciente racial", termo infeliz primitivamente usado pôr Jung). Do ponto de vista do espírito, não faz diferença se nosso instrutor é um zaddik de um shtetl polonês, um índio sob um cacto mexicano, ou um mestre japonês em um jardim de pedra; estas diferenças são condicionamentos históricos, pendores personalísticos. O espírito é impessoal, sem raízes em alma local, e intemporal.
Montarei este cavalo da história até que ele caia, pós escrevo e assino que a história se tornou a Grande Recalcada. Se, tempo de Freud, a sexualidade era a Grande Recalcada e a criadora do fermento interno das psiconeuroses, hoje em dia, se existe algo que não toleramos, é a história . Não; somos, cada um de nós, um Prometeu com uma bolsa de possibilidades, esperanças de Pandora, aberta; somos o futuro, desimpedido, à nossa frente, tão variado, tão lindo, tão novo; somos novos e liberados homens e mulheres vivendo no amanhã, penetrando na ficção científica. E, pôr baixo, a história resmunga, continuando ativa em nossos complexos psíquicos.
Nossos complexos são história atuante na alma: o socialismo do pai, o fundamentalismo do avô, e minha reação a eles, como a de Hefner à igreja metodista, a de Kinsey ao escotismo, a de Nixom à religião quacker. Muito mais fácil é transcender a história escalando a montanha e aceitar o que der e vier do que, dentro de nós, cinzelar a história, nossas reações, hábitos, moralidades, opiniões, sintomas que impedem a autêntica mudança psíquica. A autotransformação no vale exige o reconhecimento da história, uma arqueologia da alma, uma escavação das ruínas, uma remontagem.. E uma plantação em solo geográfico e histórico específico, com cheiro e sabor peculiares, em conexão com o espírito dos mortos, a alma enterrada abaixo do chão.
Do ponto de vista da alma e da vida no vale, subir a montanha dá a sensação de despertar. Lamas e santos "dizem adeus a seus camaradas ".Fazemos aqui o papel de advogado da alma , dela tenho de apresentar o ponto de vista. Ele está todo na longa e oca depressão de vale, no desalento interior e fechado que acompanha a exaltação do espírito ascendente. A alma sente-se deixada para trás, e a vemos com ressentimento anímicos. Com muita freqüência, o ensinamentos espirituais previnem o iniciado acerca de remordimentos introspectivos, a respeito de ciúme, rancor e memórias. Estas precauções evidenciam a exata fenomenologia de como a alma se sente quando o espírito lhe diz adeus.
Se alguém se submete a terapia, simultaneamente, a uma disciplina do espírito – Vedanta, exercícios respiratórios, meditação transcendental etc. --, o mestre espiritual pode muito bem encarar a análise como uma perda de tempo com trivialidades e ilusões. O analista pode encarar os exercícios espirituais como um vazamento no barco psíquico, uma fuga ou para a fisicalidade (somatização, espécie de sofisticada conversão histérica), ou para metafisicalidade. Estas condições crescem na mesma cerca viva, pois ambas corporalizam, substanciam, hipostasiam, tomando seus conceitos como coisas. Ambas perdem o "como se", o acercamento metafórico de Hermes, olvidando que metafísica também é sistema de fantasia, e sistema que infelizmente deve tornar-se a si próprio como literalmente real
Além destas mútuas acusações de trivialidade, há uma questão mais essencial que nós, de nossas poltronas de analistas, formulamos: Quem está fazendo a viagem? Não se trata de discutir o valor relativo de doutrinas e objetivos: nem de analisar visões e experiências ocorridas. A questão essencial não é a análise do conteúdo das experiências espirituais, pois já encontramos experiências simulares no hospital distrital, nos sonhos, nas viagens dos toxicômanos. Ter visões é fácil. A mente nunca cessa de exsudar e transudar a seiva e o sumo da fantasia e de, subseqüentemente, congelar seu jogo em monumentos paranóicos de eterna verdade. E depois, não são freqüentemente triviais estas explosões da mente em eventos de luz, de sincronicidade, de retina espiritual numa viagem de LSD -- ao perceber o universo revelado numa costura de casa de botão ou num padrão de linóleo -- pelo menos tão triviais quanto o que se sucede numa sessão comum de terapia que seleciona para análise as embrulhadas da cena doméstica de todos os dias?
O problema do que é trivial e do que é relevante depende do arquétipico que lhes empresta significado, e este, segundo Jung, é o "self" seja constelado, o significado o acompanha. Mas, como em todo evento arquetípico, isto apresenta seu lado tolo indiferenciado. Assim, podemos nos sentir oprimidos pela significação deslocada, inferior, da paranóia, como podemos nos sentir oprimidos pôr eros e pela alma (anima) nas agonias do amor desesperado, ridículo. A desproporção entre o conteúdo trivial de um evento sincronístico que o acompanha, mostra o que afirmo. À semelhança de alguém que encontrou um amor, quem encontrou um significado começa aquele processo de autovalidação e autojustificação das trivialidades que pertencem á experiência do arquétipo em todo complexo e que participam de sua defesa. Portanto, ouça diferença faz, psicodinamicamente, se caímos na sombra e justificamos nossas desordens estéticas, ou se caímos no "self" e justificamos nossas desordens de significação. A paranóia foi definida como uma desordem do significado—ou seja, refere-se à influencia de um diferenciado arquétipo do "self". Parte dessa desordem é a própria sistematização que, pêlos meios defensivos da doutrina da sincronicidade, daria profunda ordem significativa à coincidência trivial
Voltemos a Forster, que nos fez distinguir a humilde voz do espírito e a humorística voz da alma. 21A humildade respeita e sofre pelo significado; a alma encara os mesmos eventos como trocadilhos e travessuras de Pan. 22 Humildade e humor são os dois caminhos para descer ao humus, à condição humana. A humildade nos faria curvar ao mundo e pagar nosso tributo a realidade. Render-se a César. O humor nos faz descer com uma queda sobre o traseiro. A realidade pesada de significação torna-se suspeita, transparente, e o mundo, risível -- dissolve-se a paranóia, à medida que sincronicidade se torna espontaneidade.
A relação do analista da alma com o evento espiritual não se dá em termos de doutrinas ou de contéudos. O que nos interessa é a pessoa, o "Quem", subindo a montanha. Também perguntamos: Quem chama lá de cima?
Esta pergunta não é muito diferente da que se faz nas disciplinas espirituais, mas é crucial. Pois não se trata da viagem e de suas estações e sendas, nem da velocidade da ascensão, nem do degrau da escada, nem do pico e de sua experiência, nem mesmo do regresso -- trata-se de quem na pessoa instiga todo o esforço. Neste ponto, de novo, retornamos à história, ao ego histórico, nosso poder volitivo norte-ocidental, aquele mesmo poder de vontade que trouxe para a Califórnia como pioneiros os missionários e os caçadores com suas armadilhas, os vaqueiros, os proprietários de ranchos e os agricultores, os colonos itinerantes, os plantadores de laranja, os produtores de vinho, os religiosos sectários, os mineradores de ouro e os ferroviários. Pode-se largar isto na porta como um empoeirado par de sapatos velhos quando se pisa no perfumado acolchoamento da sala de meditação? Pode-se fechar a porta a quem foi o primeiro a trazê-lo ao limiar?
A passagem de um hemisfério cerebral para outro, da tediosa vida cotidiana no supermercado à superconsciência, do entulho para a transcendência, o acercamento _ em suma - do "estado alterado de consciência" , renega este ego histórico. Trata-se da alteração do estado de consciência que remonta ao Saulo, transformado em Paulo, da conversão no posto, eliminado o abdômen num relâmpago.
Reparem , portanto,que a indagação arquétipica não é como ocorre o conflito entre alma e espírito, nem pôr quê, mas quem, dentre a variedade de figura s que compõem cada um de nós, que figura ou pessoa arquetípica se move nesse acontecimento? Que deus nos chama para subir na montanha , ou nos prende aos vales? Conforme a psicologia arquetípica, há um deus em cada perspectiva, em cada posição. Tudo é determinado pôr imagens psíquicas, incluindo nossas formulações de uma ou outra perspectiva divina. Nossa visão é mimética para este ou aquele dos deuses.
Quem está subindo a montanha : é o inconsciente bom cristão em nós, que perdeu seu cristianismo histórico, mas inconscientemente é o cruzado, o cavaleiro, o missionário, o salvador? (Inclino-me a ver o latente, ou homossexualidade latente, ou depressão latente mascarada.)
Quem está subindo a montanha : é o alpinista, o homem que se identificaria com a própria montanha; o Eu no monte Rushmore – humilde agora, mas esperem para ver daqui a pouco...
Ë o ego heróico ? É Hércules, autor ainda das mesmas façanhas : limpeza dos estábulos da poluição, morte das criaturas dos pântanos, liquidação à clava das feras, recusa aos apelos das mulheres, progresso em doze etapas ( tudo para, no fim, enlouquecer e casar-se com Hebe, que é Hera, a Mãe, sob sua forma hebefrênica mais jovem, mais doce, mais sorridente?).
Ou quem está ascendendo traz o ímpeto espiritual de um puer aeternus, 23a divina imago de asas, o formoso jovem do espírito – Ícaro levantando vôo no rumo do sol, depois caindo verticalmente com asas de cera; Apolo conduzindo o carro do sol, perdendo o controle, incendiando o mundo; Belerofonte, ascendente em seu alado cavalo branco, em seguida cadente nas planícies da peregrinação, para sempre coxo ? São estes os infantes alpinistas, os assaltantes do céu, cujo eros reflete a tocha, escada e a flecha penetrante de Eros, um anseio pelo mais alto, mais distante, maior, mais puro e melhor. Sem este componente arquetípico atingindo nossas vidas, não haveria impulso espiritual, nem novas centelhas , nem a ultrapassagem do gratuito, nenhuma grandeza, nem senso de destino pessoal.
Psicológica e até espiritualmente, o problema consiste em encontrar conexões entre o impulso do puer para o alto e o abraço da alma, nebuloso, estorvante. Meu conhecimento desta ligação evita a dois desvios. O primeiro também levaria a alma para o alto, "a libertaria" deste vale: - a exigência trancendentalista. O segundo reduziria o espírito a um complexo e assim repudiaria a legítima ambição do puer e a arte de voar: - a exig6encia do psicanalista. Permitam-me lembrar que quem não pode voar não pode imaginar, como afirmou Gaston Bachelard e também Muhammad Ali. Para exercer verdadeiramente a imaginação em vôo alto, em queda livre, caminhar pelo ar e dar-se ares, experimentar a realidade pneumática e sua concomitante inflação, é preciso imaginar-se fora do vale, sobre os campos de cereais e o pão nosso de cada dia. Às vezes, isto é excessivo para os analistas profissionais e, porque não reconhecem a s reivindicações arquetípicas do puer, eles frustram a imaginação.
Consideremos agora a conexão puer-psique sem forças as reivindicações de uma figura sobre outra.
IV . As núpcias puer-psique
A conciliação entre o espírito ascensional, de um lado, e a ninfa, o vale, ou a alma, de outro, pode ser figurada como as núpcias do puer com a psique. Relatou-se este enlace de muitas maneiras – pôr exemplo, Jung no Mysterium Coniunctionis, descreveu-o como uma conjunção alquímica de substância personificadas , e apuleio o figurou na lenda de Eros e Psiquê.24 A semelhança dos modelos anteriores, imaginemos este enlace em estilo personificado. Então, podemos sentir as diferentes necessidades dentro de nós como volições de diferentes pessoas, sendo puer o Quem em nosso v6o espiritual em sendo anima ( ou psique) o Quem em nossa alma.
O mais importante sobre a anima25 é o que sempre se disse da psique : é insondável, inapreensível. Pois anima. "o arquétipo da vida "conforme Jung a denominou, é aquela função da psique que constitui sua verdadeira vida, a embrulhada na qual está metida hoje , seu descontentamento, suas desonestidades, e eletrizantes ilusões, junto com suas reabilitadas esperanças de uma realização melhor. As contradições em que se debate são Tão intermináveis quanto é profunda a alma, e talvez estes mesmos "problemas" labirínticos infindáveis constituem sua profundeza. A anima nos embrulha e retorce e comprime a ponto de ruptura, realizando a "função do relacionamento", outras das definições de Jung, uma definição que se torna convincente só quando nos damos conta de que relacionamento significa perplexidade.
A consci6encia do puer necessita casar-se com a mixórdia da psique, a fim de empreender "a luta dos sexos".
Os oponentes do espírito são, antes de tudo, as rixas sob sua própria pele : o mau humor de manha, os sintomas, as prevaricações nas quais se enreda e a vaidade. O puer precisa combater a irritabilidade desta "mulher " interior, sua indiferente preguiça, seus caprichos pôr doces e lisonjas – Tudo quanto a análise chama de "auto-erotismo". Trata-se de luta com a alma em vez de luta contra, e abraço apertado, tenso, afetuoso, em muitas posições de cópula sexual, um abraço em que a loucura do puer defronta-se com a confusão e os desvios da psique, sua loucura a refletir-se em deformado espelho . Não é uma luta franca nem clara. Nem mesmo sei que armas usar ou onde o inimigo se encontra, pois o inimigo parece ser minha própria alma e coração, e minhas mais queridas paixões. O puer é deixado sozinho com sua doidice e durante o combate ele recorre a ela tão freqüentemente que aprende a dela cuidar como preciosidade, como aquilo de ímpar que ele realmente é, sua singularidade e limitação. O refletir-se no espelho da alma permite ao homem ver a dem6encia de seu impulso espiritual , e a importância desta demência.
Toda a luta com a alma resume-se precisamente nisto, sendo a psicoterapia a ocasião desta luta : descobrir sua loucura, seu espírito singular, perceber a relação entre seu espírito e sua loucura, constatar que a loucura em seu espírito em sua loucura.
O espírito precisa de testemunha para sua demência. Ou, para dizê-lo com outras palavras, o espírito encara seu impulso e objetivo literalmente, a não ser que veja refletido, o que possibilita a compreensão metafórica desse impulso e objetivo. Testemunhando as ações do espírito, a alma, como a experimentadora imagem delas, pode conter, nutrir e elaborar em fantasia o impulso do puer, dar-lhe sensualidade e profundeza, envolvê-lo nas ilusões da vida e zelar pôr ele, aceitando todas as conseqüências . Então, casando-se estes dois componentes no indivíduo, ele começa a carregar consigo seu próprio eco e espelho refletor. Ele se conscientiza do significado de suas ações espirituais em termos de psique. O espírito que se volta para a psique, em vez de abandoná-la em troca das alturas e do amor cósmico, encontra possibilidades ulteriores dever através das opacidades e ofuscações do vale. A luz solar penetra no vale . O verbo participa da tagarelice e dos mexericos.
O espírito solicita à alma que o ajude, não que o despedace ou o subjugue ou o afaste com uma peculiaridade ou uma insanidade. E pede ao analista atuante em nome da psique que não ponha a alma como antagonista da aventura do puer, mais que prepare o desejo de ambos um pelo outro.
Infelizmente, boa parte do cosmo psicoterapêutico é dominado pela perspectiva da adaptação social de Hera (e de seu amante favorito, o forte ego do competitivo Hércules). Hera vai buscar o renegado espírito do puer para "fazer" dele algo de razoável. Sacerdotes e sacerdotisas de Hera, os psicólogos do aconselhamento, esforçam-se pôr esclarecer os problemas, oferecer apoio terapêutico, enquanto procuram compreender o que transforma as pessoas. O aconselhamento psicológico, então, torna literais os problemas e, matando a possibilidade de ver através de sua loucuras, mata o espírito.
Psicólogos que não prestam suficiente assistência ao espírito esquecem-se de que ele é um dos componentes essenciais da conjunção e de que ele é um dos componentes essenciais da conjunção e de que não pode ser dispensado como uma viagem de consciência alterada, como intelecto, como teologia ou metafísica, ou como vôo de puer. O espírito neglicenciado entra em psicologia pela porta de trás, sob o disfarce de sincronicidade, magia, oráculos, ficção científica, auto-simbolismo, mandalas, tarô, astrologia, e outras indiscriminações, igualmente proféticas, não históricas e desprovidas de humor. Pois a necessidade do espírito para discernir entre os espíritos.
A própria diakrisis é don do espírito e os psicólogos que recusam o espírito velejam ao ronco dos motores doutrinários de mestres mortos, suas próprias velas imaginativas descambadas ou nunca içadas, traçando círculos nas calmarias da humildade de perfil baixo, horizonte baixo : a prática da psicoterapia.
Tendo o espírito se voltado para a alma, esta pode encarar de um ângulo novo suas próprias necessidades que, então, já não constituem tentativas de adaptar-se às exigências civilizadas de Hera, ou à insistência de Vênus de que deus é amor, ou às curas médicas de Apolo, ou até mesmo à obra de Psiquê , tecelã da alma. A Psique não apresenta seus sintomas e reclamos neuróticos apenas no interesse de aprender o amor, ou pela comunidade, ou pôr melhores casamentos e melhores famílias ou pôr independência, ao contrário estas demandas reclamam inspiração, visão a longa distância, eros ascendente, vivificação em intensificação ( não relaxação ), radicalismo, transcendência e significado _ em suma, a psique tem necessidades espirituais que podem ser preenchidas pela metade puer de nós. Pede a alma que suas preocupações não sejam despedidas como trivialidades, mais assistidas até o fim em termos de perspectivas mais altas e mais profundas, as verticalidades do espírito. Quando nos conscientizamos com nosso mal-estar psíquico indica uma fome espiritual transcendente às ofertas da psicologia e de nossa secura espiritual indica uma necessidade de águas psíquicas transcendentes às ofertas da disciplina espiritual, começamos, então, a remover ambas, terapia e disciplina.
O casamento puer-psique resulta, antes de mais nada de interiorização crescente. Constrói um espaço murado, o tálamo ou câmara nupcial, nem pico nem vale, mais um recinto onde ambos sejam vistos através de janelas de vidro ou sejam fechados atrás de portas. Esta crescente interiorização significa dar condição psíquica a cada nova inspiração do puer, a cada idéias quente, em qualquer época da vida, em qualquer um de nós. Essa inspiração ou idéia será , de início, impelida através dos caminhos labirínticos da alma, que lhe dará corada e a retardará e nutrirá de muitos lados ( as "muitas "armas e "bacantes"), desenvolvendo o espírito, desde a unilateral mania pelas alturas até polytropos , a multilateralidade do antigo herói hermético, Ulisses. A alma executa o serviço das indiretas para a flecha do puer, trazendo seu duradouro sal às compulsões sulfúricas do espírito.
Pôr sua vez a alma tira proveito : a câmara nupcial intensifica a incubação, dá-lhe calor e pressão, constrói a alma desde nuvens amorfas até necessidades impulsionadoras. E estas graças ao puer formulam-se em linguagem. Há um senso de processo, direção, continuidade, na vida interior de sonhos e desejos. O sofrimento começa a adquirir sentido. Em vez das repetitivas e comuns uniões Efebo-Ninfa de virginal inocência acasalada com sêmen desperdiçado pôr toda parte, tem lugar a concepção psíquica e começa a tomar forma pelo opus de uma vida.
Finalmente, o casamento puer-psique implica retinir nossos complexos tanto do mundo quanto da esfera dos sistemas espirituais. Significa que a busca e a inquirição passam pôr uma busca e inquirição psicológicas, uma exploração da alma pelo espírito para a fecundação psíquica. O movimento messiânico, liberador, transcendente liga-se primeiro à alma e diz respeito, primeiro, ao movimento dela: não "o que isto significa?" – a pergunta feita ao espírito pelo espírito – mais "o que isto move em minha alma?"—a interiorização da pergunta. Isto basta para dar corpo psíquico à viagem e mensagem do puer, acrescentando-lhe valores psíquicos, de modo que a mensagem do puer toque a alma e lhe dê o sangue da vida. Pois exatamente neste reino da alma – tão perdida, esvaziada e ignorante – é que os dons do espírito do puer são necessários em primeiro lugar. São alma, psique e psicologia que precisam da atenção do espírito. Desçam da montanha, monges, e como belo John Keats, venham ao vale onde se elabora a alma.

V. Quatro diferenças
Deixo agora a perspectiva entusiástica do puer para voltar de novo à alma. Desejo sugerir três qualidades fundamentais para a elaboração da alma, em contraste com as disciplinas do espírito. As três são: 1) Interesse pela patologia 26– uma solicitude pela psicologia de nossas vidas, ou seja, uma atenta curiosidade pelo logos do pathos psíquico. Conservando um ouvido sintonizado para as patologias da alma, mantendo um estrito elo entre a alma e a mortalidade, a limitação e a morte. 2) Anima – uma lealdade a nebulosa disposição do humor em suas fontes aquáticas, às voltas e reviravoltas das figura femininas interiores que personificam o caminho labiríntico da vida psíquica, aquelas ninfas, bruxas negras, cinderelas perdidas, perséfones destrutivas e fantasias passageiras, ilusórias, que a anima cria, as imagens da lama na alma. 3) Politeísmo – sincero compromisso com a discórdia e a cacofonia, com a variedade (e não com a uniformização), com a fragmentação, a multiplicidade de dez mil coisas, com as periferias e suas tangentes (preferíveis aos centros) , com o episódico, ocasional, o movimento vagabundo da alma (como esta conferência) e sua compulsão a repetir-se nos vales dos eros, e a necessidade de ser errático e errado para descobrir os muitos caminhos dos muitos deuses.
Bem sei que estas conferências foram organizadas a fim de relacionar Oriente e Ocidente, disciplinas religiosas e psicoterapia, e que devo oferecer minha contribuição ao debate de um problema que não considero o principal (o par Leste-Oeste) . Pois acredito que a verdadeira paixão acontece entre Norte e Sul, entre regiões altas e regiões baixas, sejam elas, de um lado, o protestantismo repressor do Norte Europeu e Americano e, de outro, as terras do Sul, ao sul dos Alpes, transpondo fronteiras e rios, a oprimida escuridão latina, mediterrânea; ou seja esta divisão entre o maníaco Norte industrial e o depressivo Sul ritualístico; ou entre S. Francisco e Los Angeles.
O professor Needleman, porém, afirmou que a fronteira entre o terapeuta e o guia espiritual se tornou indistinta e que ele traçaria aquela linha espiritualmente – isto é , verticalmente – criando Oriente e Ocidente sobre picos de montanha, talvez como a Linha Divisória Continental, enquanto eu traçaria a divisa horizontalmente, como os rios fluem para baixo. As três qualificações que acabei de mencionar – interesse pela patologia, anima e politeísmo – constituem a minha maneira de traçar essa divisa mais pesadamente, mas obtusamente, espessa de sombra.
Quem se envolver com estes três fatores considerando importantes, e até mesmo religiosos, engaja-se, a meu ver, em terapia e psicologia. Quem se inclina a descartar a patologia em favor do crescimento ou a dispensar as confusões da anima em troca da força do ego ou da iluminação espiritual, ou a negligenciar a diferenciação de multiplicidade e variedade em favor da unidade, está engajado em disciplina espiritual.
É assim que traço a fronteira entre os dois tipos de trabalho. Mas eu também me lembraria que elas não são traçadas pelo que uma pessoa prega e sim pelo valor que empresta à trivialidade às pequeninas coisas da prática diária. Pôr exemplo, existem muitos indivíduos chamados psicoterapeutas e que se atrevem a praticar a psicoterapia, mas na verdade, estão comprometidos, todos os dias, com o espírito. Na ênfase que dão e nos valores que selecionam, seu principal interesse é a ascenção (o crescimento), o fortalecimento, a unidade e a totalidade. Enquanto eu acredito, apesar de conhecer menos o lado espiritual das coisas (venho da Suíça, onde nossas palavras principais são complexo, esquizofrenia, introvertido-extrovertido, Rorschache Bleuler, é onde se produz a gama de drogas da Ciba-Geigy, Sandoz, Phoffman-Laroche; isto é, nossa fantasia é mais psiquiátrica, mais psicopatológica, enquanto a de vocês é determinada espiritualmente pôr sua história e geografia: Estado do Ouro, suas missões fundadoras, seus nomes espirituais consagrados: Eureka, Sacramento, Berkelly (um bispo), Los Angeles, San Diego, Santa Cruz, Carmelo, Santa Bárbara). Acredito que os mestres espirituais, a despeito de sua doutrina, praticam muito freqüentemente, a psicoterapia quando tomam a figura feminina como guia, o paredros ou anjo, quando permitem o florescimento das visões e da fantasia, quando consentem que falem as múltiplas vozes nos sintomas e transformam o interesse pelas patologias em instrutores internos, quando se deslocam de todas as generalidades e abstrações para o imediatismo concreto e a polivalência de eventos.
Em outras palavras, as fronteiras entre terapia e disciplina, entre alma e espírito, não dependem do tipo de paciente, ou do tipo de mestre, nem dos locais de nascimento do mestre ou do discípulo, sejam Himalaias ou Cascatas, mas dependem , sim, do dominante arquetípico operando em seu ponto de vista. O problema sempre retorna ao "Quem", na subjetividade de um indivíduo, esteja fazendo as perguntas e dando as respostas.
Além disso, interesse pela patologia, anima e politeísmo se inter-relacionada intimamente. Iríamos muito longe se quiséssemos mostrar a lógica interna deste elo, e não me sinto inclinado a fazê-lo rápida e sucintamente. E mais, esta interconeção foi o tema principal de muitos de meus escritos, porque logo se descobre, ao trabalhar consigo mesmo e com outros, que cada um destes critérios de elaboração da alma tende a implicar no outro. As variadas figuras da anima, as inspirações dos elfos, e as disposições do humor que movem uma pessoa, homens e mulheres igualmente (pois é asneira sustentar que as mulheres só podem ter animus, sem almas, como se um arquétipo ou uma deusa pudessem ser limitados à psicologia de gênero sexual, pessoal) geram um duplo sentimento peculiar. Geram um senso de minha importância pessoal, um senso de alma, que não é uma inflação do ego e, ao mesmo tempo, há uma consciência de que sua subjetividade é líquida, aérea, ígnea, terrena, feita de muitos componentes, cambiante, inapreensível, agora próxima, íntima e útil como Atena dando sábio conselho, e depois matreira, e fugitiva, ingenuamente metendo o sujeito em becos sem saída como Perséfone, e no momento seguinte fantasiando sussurros de Afrodite no ouvido interno, espuma do mar, conchas bivalves de vulva rósea, e logo mais a orgulhosa e esbelta Ártemis, acuando tudo, ela própria a distância, unida somente com a natureza, uma alma virgem entre irmãos e irmãs, apenas.
Anima nos faz sentir a multilateralidade.
Anima, como disse Jung, é o equivalente e a personificação de um aspecto politeísta de psiquê. 27"Politeísmo" é conceito teológico ou antropológico da experiência de um mundo dotado de muitas almas.
Esta mesma experiência de multiplicidade nos alcança também através de sintomas. Eles também nos conscientizam de que a alma tem outras vozes e intenções, além das do ego. O interesse pela patologia atesta simultaneamente a inerente natureza composta da alma e os muitos deuses refletidos nesta composição. Encontro minha deixa em dois breves reparos de Jung : "o divino em nós funciona como neurose no estômago, no cólon ou na bexiga, simples pertubações do baixo mundo. Nossos deuses foram dormir, e somente se agitam nos intestinos da terra "28. É este reforço : "Os deuses viraram doenças; Zeus não governa mais o Olimpo e, sim, o plexo solar, e produz curiosos espécimes para a sala de consulta do médico ... ".29
Às vezes, ao subir a montanha , procura-se fugir a este baixo mundo e os deuses aparecem no alto, trazendo toda a sorte de desordens psicológicas. Serão ouvidos, ainda que só pelos ruídos intestinais e pôr seu fogo ardendo na bexiga.
Semelhantes à subida da montanha, mas sob o disfarce da psicologia, encontram-se as terapias do comportamento e as terapias da relaxação. Cure o sintoma e perca o dedo. Não tivesse Jacó lutado corpo a corpo com o anjo, e não teria sido ferido, mas também não teria sido Jacó. Perca o sintoma e devolva o mundo ao ego.
Ressalto este ponto : a elaboração da alma não nega os deuses nem os procura . Parece, entretanto, mais próxima, mais acessível, encontrando-0s mais à maneira dos gregos e egípcios, para quem os deuses participam de tudo. Toda a existência está repleta deles, e seres humanos estão sempre enredados com deuses. E deste envolvimento que tratam os mitos – tradicionais histórias de interações humanas e divinas. Nenhum lugar se pode ocupar, nenhum ato se pode fazer, nenhum pensamento se pode formular sem que sejam mimetismo de um deus. Estudamos mitologia para compreender a estrutura da personalidade, a psicodinâmica, os encaminhamentos patológicos. Os deuses estão no íntimo, costumava Heinrich Zimmer dizer, dentro de nossos atos, pensamentos e sentimentos. Para chegar até eles cérebro do céu, não temos de avançar nosso carro de boi pelos espaços estrelados nem dinamitá-los em seus divinos esconderijos com drogas químicas explosivas para a mente. Eles estão aqui, em nossos sintomas e variações de humor. Eis aqui Apolo, bem aqui, fazendo-nos reservados e prestes a formular idéias engenhosas, claras e distintas; eis aqui o velho Saturno, preso a sistemas paranóicos de julgar, a manobras defensivas, a conclusões melancólicas; eis aqui Marte, rubro de raiva, obrigando-se a matar para provar seu argumento; eis aqui a ninfa dos bosques, Dafne-Diana, escondendo-se entre a folhagem, camuflagem da inocência, suicídio através da naturalidade.
Finalmente, apontaria mais uma, a Quarta diferença entre picos e vales, a diferença quanto à morte.
Se o espírito transcendesse a morte pôr uma via dentre muitas -- unificação de modo a não sujeitar-se à dissolução; união com o "self", em que o "self" é Deus; elaboração do corpo imortal, ou corpo de jade; avanço para a itemporalidade, a inespacialidade; ausência de imaginação e de mentalidade; o morrer para o mundo como lugar de apegos – a elaboração da alma, ao contrário, esculpiria a machado e esquadro o barco da morte, o vaso da morte, um recipiente para comportar a extinção que se processa na alma. Figura-se que a vida psíquica se refere mais fundamentalmente à vida da alma-imersa, a que desliza para o subsolo – não exatamente no instante da morte física, mas o que está sempre deslizando para o subsolo, sempre descendo, penetrando sempre mais profundamente em realidades concretas e animando-as.
Sendo assim, não posso concluir com princípios supremos, posições, palavras finais, sábias afirmações de mestres. Não há término para o discurso errante, nenhuma soma, ou culminância, pois colocar um fecho é chegar a uma parada. Prefiro deixá-lo inconcluso e nebuloso, desprovido de abstrata mensagem espiritual – até mesmo de uma imagem particular. Cada um de vocês tem a sua. A alma as gera, incessantemente.


1 C. J. Hefele. Conciliensgeschichte (Freiburg i/Breisgau: Herder, 1860), IV:320,404 (Canon 11).
2 D. L. Miller. Ächelous and the Butterfly", Spring 1973 (Nova Iorque/Zurique: Spring Publications),p.14.
3 Cf. M. Kelsey, God Dreams, and Revelation (Minneapolis: Ausburg Publishing House, 1974), pp.80-4; ª N. Wilder, "Myth and Dream in Christian Scripture", em Mythss, Drems and Religion, ed. J. Campbell (Nova Iorque: Dunton, 1970), pp. 68-75; H. Schar, "Bemerkungen zu Traumen der Bibel", em Traum und Symbol (Zurique: Rascher, 1963), pp. 171-79.
4 C. G. Hefele, A History of the Church, trad. W. R. Clark (Ediburgh: Clark, 1896), V: 260-400, esp. Pp. 377-85.
5 Hefele, Conciliengeschichte, IV: 402 (Canon 3).
6 C. G. Jung, Collected Works (Princeton University Press, Bollingen Series), VIII: para.92
7 Jung, Collected Works, VI: 66,77.
8 Jung, Collected Works, VIII: para. 618, 623; XI: para. 769
9 Jung, Collected Works, VIII: para. 746.
10 Jung, Collected Works, XI: para. 889.
11 Jung, Collected Works, VI: para. 743.
12 Jung, Collected Works, VI: para. 78.
13 W. H. Roscher, Ausfubrliches Lexikon der griechischen und romischen Mythologie ( Leipzig/Stuttgart: Teubner; Hildesheim: Olms, 1965), "Pan", pp. 1392s.
14 V. MacDermott, The cult of the Seer in the Ancient Middle East (Berkeley/ Los Angeles: University of California Press, 1971). Cf. H. Frankfort, Ancient Egyptian Religion (Nova Iorque: Harper Torchbook, 1961), capítulo 1, excelente sumário da psicologia politeísta egípicia
15 MacDermott, p. 46.
16 E. M. Forster, Aspects of the Novel (1927) (Harmonsdsworth: Pelican, 1971), p.115.
17 Forster, p. 115.
18 Forster, p. 129.
19 Forster, p. 116.
20 Forster, p. 116.
21 Quanto à relação entre humor e psique, veja-se Miller, pp. 1-23.
22 Sobre sincronicidade e Pan, veja-se meu Än Essay on Pan", em Pan and the Nightmare (with W. H. Roscher) (Nova Iorque/Zurique: Spring Publications, 1972), pp. LVI-LIX.
23 Cf. M. L. von Franz, The Problem of the Puer Aeternus (Nova Iorque/Zurique: Spring Publications, 1970), e meus numerosos escritos sobre o tema, pôr exemplo, "Porthos – The Nostalgia of the Puer Aeternus", Em Loose Ends: Primary Papers in Archeypal Psychology (Nova Iorque/Zurique: Spring Publications, 1974), pp. 49-62
24 Há muitas tentativas de interpretação junguiana desta lenda. Cf. M. L. von Franz, A Psychological Interpretation of the Golden Ass of Apuleius (Nova Iorque/Zurique, 1970); E. Neumann, Amor and Psyche (Nova Iorque: Pantheon, 19560; e a minha própria The Myth of Analysis (Evanston: Northwestern University Press, 1972), pp. 55ss.
25 Para uma completa exploração de anima, literatura relevante e citações, vejam-se meus dois artigos Änima", em Spring 1973, pp. 97-132, e 1974, pp. 113-46.
26 Uso patologizar significando a habilidade autônoma da psique para criar doenças, morbidez, desordem, anormalidade e sofrimento em qualquer aspecto de seu comportamento, para experimentar e imaginar a vida através desta perspectiva deformada e aflitiva; cf. "Pathologizing", Segunda parte de meu Re-Visioning Psychology (Nova Iorque: Harper and Row, 1975).
27 Jung, Collected Works, IX, ii: para. 427 e minha discussão desta tema em Psychology: Monotheistic or Polytheistic?", spring 1971, pp. 193-208.
28 C. G. Jung, "Psychological Commentary on Kundalini Yoga" (das Notes of Mary Foote, 1932), Spring 1975, p. 22.
29 Jung, Collected Works, XIII: para.54.
Este texto faz parte de O Livro do Puer de Hillman

Danielle le Fay