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DA VINCE: BATISMO


UMA INICIAÇÃO À FUNÇÃO TRANSCENDENTE

RESUMO

Através de correlações entre a análise simbólica dos ritos de passagem e do batismo cristão, o presente trabalho pretende demonstrar que a iniciação religiosa pode representar uma expressão da Função Transcendente, que é conceito central na Psicologia Analítica.
Perante as grandes crises individuais e sociais, e na expectativa de dominar aquilo que ainda não obedece ao controle da intelectualidade, o homem incrementa sua compulsão para conquistar novas descobertas científicas, ou então procura ansiosamente que o grande leque de seitas religiosas hoje disponíveis lhe dê respostas. De qualquer forma, a procura é fora de si mesmo.
Além disso, temos a crise das práticas religiosas atuais que também têm-se tornado racionalizadas e enfraquecidas, não incorporando mais os demônios que outrora as comunidades primitivas projetavam no "mundo invisível". Os ritos de passagem perderam seu aspecto ritual, só tendo significado para o indivíduo os atos concretos que os compõem. Na verdade, o ser humano afastou-se radicalmente de suas raízes psíquicas, o que o levou a "perder sua alma". Vive psicologicamente de forma fragmentada onde o pensamento lógico predominante não abre espaço para o simbólico.
Parece haver necessidade de um reencontro do homem com sua alma, para que então se defronte com alguns sentidos que advirão da esfera espiritual. Este processo pode ser propiciado se ao indivíduo for oferecida uma iniciação religiosa íntegra, consciente e que realmente expresse todo o seu sentido simbólico que é reflexo de milhares de anos de história da relação do homem com o mistério. Dessa forma, o batismo cristão pode ser uma possibilidade.
O presente trabalho pretende analisar sob a perspectiva da Psicologia Analítica de C.G. Jung, de que forma o batismo pode-se relacionar ao desenvolvimento da psique, objetivando uma maior integração da mesma, através da recuperação do conhecimento simbólico. Para isso faz-se necessário discutir o que são ritos de passagem sob o ponto de vista antropológico e psicológico apontando o papel do símbolo nos mesmos. O batismo cristão, como rito iniciático deve ser analisado de forma a estabelecer correlações simbólicas de cada etapa do ritual, o que propicia a aproximação deste com o conceito de função transcendente – que, de acordo com a Psicologia Analítica promoveria maior integração da psique do indivíduo.
Independentemente da análise temporal-espacial de uma sociedade observa-se a repetição da demarcação de momentos de passagem ou transformação na vida do sujeito como algo necessário de ser significado de forma simbólica. Estas passagens quase invariavelmente são acompanhadas de um ritual cerimonioso, ou ao menos por uma pequena celebração, sendo que o essencial parece ser o reconhecimento desta mudança de uma situação para outra. Pressupõe-se portanto, uma estrutura básica fundamental dos ritos de passagem, que consiste na separação de uma condição anterior e a agregação à nova situação. Este novo "status" adquirido pelo iniciado, torna a questão do significado coletivo fundamental. Na verdade, o mito precede ao rito. Com base na imaginação de cada indivíduo os aspectos coletivos do mito se constelam na individualidade de cada um.
Dessa forma pode-se afirmar que os ritos de passagens remetem a marcas de transição que ocorrem em todas as culturas, sugerindo a ligação de conteúdos coletivos (inconscientes) à vida de um indivíduo (consciência). Para que isso ocorra, tem se que são processos eminentemente simbólicos e que apontam para uma nova agregação, isto é, uma amplificação da consciência. Por todas estas características, os ritos de passagem tornaram-se alvo de grande interesse para C.G. Jung, uma vez que sua teoria, aborda o homem sob o prisma simbólico e pressupõe embasamento semelhante aos descritos para estes ritos.
O batismo cristão como processo iniciático que congrega todos os fundamentos de um rito de passagem, é uma manifestação eminentemente simbólica. Se realizarmos uma amplificação de cada etapa do processo deste ritual na busca de seu sentido arquetípico, muito colaborar-se-á para a compreensão e reflexão sobre a prática da iniciação cristã nos dias de hoje. A proposta básica do batismo é a união do homem com a comunidade e consigo mesmo. Na verdade, as formas de expressão do batismo são secundárias em relação aos temas arquetípicos a que conduzem. Sendo assim, os fatos comuns da vida diária que se repetem eternamente, remetem a arquétipos poderosos que podem ser reconhecidos através da análise simbólica de dada situação. Dos símbolos emana energia vital e poder divino através da união do conhecido ao desconhecido, portanto é preciso conhecer os símbolos do batismo, para que se religue o que se encontrava separado.
E é para este fim, de união de opostos que Jung propõe o conceito de "função transcendente", que define da seguinte forma. "Por "função transcendente" não se deve entender algo de misterioso e por assim dizer supra-sensível ou metafísico, mas uma função que por sua natureza pode-se comparar com uma função matemática de igual denominação, e é uma função de números reais e imaginários. A função psicológica e "transcendente" resulta da união dos conteúdos conscientes e inconscientes" (JUNG, 1981, Vol. VIII p. 69).
Aqui Jung demonstra sua característica de trazer seus conceitos psicológicos para o campo empírico, denotando o caráter de naturalidade e de inevitabilidade para a função transcendente, uma vez que a existência de oposições psíquicas é certamente observável e natural na condição humana. Centralizando-nos na oposição consciente e inconsciente, parece que a tendência do homem, dependendo de seu momento histórico ou origem cultural é polarizar seu funcionamento psíquico num dos extremos. Obviamente que este fato tem ganhos sobre certos aspectos tanto para o próprio indivíduo como para a comunidade, mas é obvia a grande perda decorrente da não integração de opostos que, justamente contém o aspecto criativo, de transformação e de perspectivas de maior amplitude psicológica.
Parece ficar claro até aqui o papel do símbolo na estrutura do conceito função transcendente, pois é exatamente por ele que há a possibilidade de se transcender os opostos. Em muitos momentos de sua obra, Jung demonstra que as experiências religiosas têm o papel com frequência de recuperar a energia advinda desta tensão entre opostos, através dos símbolos religiosos, embora seus próprios pressupostos criem muitas vezes nova tensão com a sociedade intelectual e científica atual.
Lembrando que a iniciação cristã tem seu primeiro momento no batismo e que será confirmada na primeira eucaristia e na crisma, denota-se a importância desta iniciação religiosa que terá papel fundamental no desenvolvimento da psique.
Chega-se aqui ao objetivo de realizar articulações entre o batismo cristão e a função transcendente. Se esta representa um elo de ligação entre oposições, e isto se dá basicamente através do símbolo, o batismo como um rito de passagem essencialmente simbólico é rico em oposições. A entrada no mistério cristão remete a dualidade morte e vida, trevas e luz, dentre outras e dessa forma apresenta-se como uma das possibilidade da função transcendente se expressar.
Ao "re-ligar" o indivíduo ao mito eterno, o batismo possibilita a união do homem ao todo, de uma forma simbólica. Como ser, que é gerado nas águas férteis da Criação, é dessas águas que o homem retira seu potencial criativo e transformador. Desde que participe conscientemente deste processo, são poucos os riscos de que o indivíduo se dilua nessas mesmas águas que também têm poder destrutivo e desintegrador, quando desconhecidas. Assim, o homem não abandona sua natureza divina, e sim permite que a mesma se expresse através dos símbolos, de forma construtiva em sua vida.
Com o desenvolvimento das ciências exatas a abordagem simbólica perdeu espaço na humanidade. Com ela, foi-se também a importância que os homens devem dar aos ritos, como se não houvesse necessidade de "marcas" para as transformações... As mudanças no mundo são intensas e extensas, com muitas "marcas registradas", mas ao voltarmos o nosso foco para a intimidade do homem, encontramos um ser debatendo-se consigo mesmo, porque se desconhece... Um homem que olha para fora de si, carente de algo ou alguém que lhe indique caminhos para onde quer chegar (isto quando sabe onde quer chegar...). Mas ele desconhece que ao buscar esta solução mágica num Deus, numa idolatria, numa prática política, que estão sempre fora dele, está deixando de vislumbrar possibilidades de direcionamento que a magia dos símbolos talvez lhe forneçam... Desde que volte-se para seu interior, redescubra a sua origem que é sagrada, poderá através dos símbolos encontrar significados para sua existência. Para isso, a experiência religiosa faz-se útil, independentemente da forma como é simbolizada por crenças específicas.
Assim, Jung lamenta e preocupa-se com o abandono dos ritos que o homem gradativamente tem realizado. Pois além do afastamento de suas raízes históricas, o ser humano não dispõe de muitas outras opções para a canalização do inconsciente, e de uma experiência saudável com o numinoso. Para a Psicologia Analítica, os mistérios dos processos iniciáticos aos poucos fazem o indivíduo perceber as dimensões de sua existência, pois as adentrar-se no mundo sagrado ele deve assumir a responsabilidade de "ser humano".
Jung aponta como causa de toda essa situação não só o domínio do racionalismo e realismo, mas também porque os representantes das religiões perderam sua eficiência junto ao mundo científico: os intelectuais não percebem a utilidade de uma abordagem simbólica das situações vividas, assim como os responsáveis pela propagação religiosa não elaboram justificativas coerentes ao nosso tempo.
Concluindo, parece que o simples chamado dos indivíduos à conversão não é mais suficiente. Faz-se necessário a criação de novos fundamentos para a "verdade simbólica" que incluam não só os aspectos sentimentais mas também racionais, para que, como no batismo, se propicie uma ligação do homem natural ao homem espiritual.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JUNG, C.G. – Dinâmica do Inconsciente. Vol. VIII. Petrópolis, Ed. Vozes, 1981


Maria N. de Carvalho

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