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PSICHES - O TEMOR E O TREMOR, FÉ E ÉTICA.

SEPARANDO OS CONCEITOS

-------- O filósofo contemporâneo Soren Kierkegaard escreveu um texto denominado "Temor e Tremor", que trata da relação entre a Fé e a Ética. No entanto, apesar de ser cristão, ele não defendeu uma Ética Religiosa, quase pelo contrário, afirmou haver uma independência, senão uma tensão, entre o comprometimento religioso, por meio da Fé, e a Ética.
-------- O exemplo escolhido não poderia ser mais ilustrativo. Ele lembra o episódio bíblico do Gênese 22, onde Abraão estava disposto a sacrificar o próprio filho em obediência a Deus. Trivial que não foi necessário fazê-lo, poir era um mero teste de fé, no entanto, tudo indica que ele iria mesmo fazê-lo, sem questionamento, em total submissão.
-------- Kierkegaard então lança a questão de como devemos avaliar Abraão eticamente. É mais do que evidente que degolar uma criança inocente é Anti-Ético, no entanto, no tal contexto religioso, seria ainda pior não seguir o ditame divino. Fora do âmbito religioso não há discussão, o ato é anti-ético, mas e dentro do âmbito cristão? Como ficaria então o Quinto Mandamento? Ainda que este só viesse a ser revelado posteriormente ao tempo de Abraão.
-------- Mas hoje, como julgar Abraão?
-------- O que seria então mais importante, respeitar o preceito ético universal de que não devemos cometer o infanticídio, ou obedecer cegamente a uma divindade? Isso traz uma série de dilemas terríveis, entre eles, agora já além da obra de Kierkegaard, o que indaga que espécie de seguidor esse Deus prefere, o que apenas lhe obedece cegamente sem questionamento, ou o que tem autonomia e bom senso para decidir por si próprio?
-------- Se aceitarmos a segunda opção, Abraão teria falhado em seu teste, talvez Deus quisesse um homem que questionasse o porque de tal ato, e ou se recusasse a fazê-lo em nome da compaixão. Mas muitos religiosos dirão que isso seria um orgulho inapropriado ao ser humano, que deveria na verdade se submeter ao poder divino superior. Isso também destruiria a base da Fé, pois a subordinaria à razão. Lembrando que já não mais estou me atendo ao livro Temor e Tremor.
-------- Se admitirmos a primeira opção, teremos então que o perfil psicótico de um terrorista religioso suicida seria o modelo ideal de seguidor de Deus. O indivíduo que obedece acriticamente, sem hesitação. É comum reforçar-se ao longo de toda a Bíblia, bem como do Corão, a importância da entrega total à Deus, o Temor e obediência como as maiores virtudes. Mas a questão inevitável fica ainda mais aterrorizante, e leva àquele que é talvez o maior e mais decisivo dilema ético da religião.
-------- COMO PODEMOS SABER QUE ALGO VEM DE DEUS?
-------- No caso, como saber que a instrução que o profeta recebeu era mesmo de Deus? Não poderia ser também do Diabo? Ou espíritos diversos com poderes sobrenaturais? Anjos caídos? Super Paranormais? ETs? X-Mens?
-------- Com essas opções acima, a simples apelação a uma mera demonstração de sobrenaturalidade é infrutífera, então, como saber?
-------- Se decidirmos apenas por confiar numa autoridade, como Abraão fez, lembrando novamente que aqui estou além da obra do filósofo, então qualquer coisa que vier desta fonte é necessariamente BOM, por ser divino. Então assassinato, roubos, estupros e escravização TAMBÉM PODEM SER BONS! E sendo assim, a Religião não só fica independente da Ética, mas se tornam mesmo antagônicas. Nessa opção, teremos que reconhecer que o fundamentalista islâmico que se explode e mata dezenas de vítimas, bem como os que atiram aviões contra prédios, podem muito bem estar certos, ou ao menos agindo de modo autenticamente religioso. Nesse caso, a Religião seria uma terrível ameaça à Ética, à Paz e à própria Humanidade.
-------- Mas e se optarmos por, ao invés de confiar numa autoridade, julgarmos por nós mesmos se tal ordem de fato deriva de Deus? Então poderíamos dizer que qualquer instrução que violasse o bom senso ético necessariamente não poderia ser divina, mas talvez um demônio tentando nos enganar. Poderíamos então afirmar que ordens advindas do divino seriam imediatamente reconhecidas como justas, sábias, fundamentalmente éticas.
-------- No entanto essa opção apesar de inegavelmente mais sensata, não só declara ainda mais a independência entre a Ética e a Religião, como ainda resulta que a religião de fato é dispensável, que no caso não precisamos da divindade para saber o que Certo ou Errado. Sendo assim, no que se refere a Ética, religião é completamente dispensável.

Portanto espero ter demonstrado definitivamente a total independência entra Religião e Ética. A religião pode continuar sendo necessária por ser talvez uma forma de compreender o mundo e superar a mortalidade, mas não como parâmetro de orientação ética.
-------- Embora não desenvolva essa reflexão, Kierkegaard obtém um resultado semelhante ao isentar Abraão de culpa, declarando que ao entrar num estado de Fé, o humano religioso se coloca fora do âmbito ético. Com uma brilhante explanação, ele sugere que o "Cavaleiro da Fé" é alguém isolado do mundo, num estado psíquico de arrebatamento que o deixa além da moralidade, no caso da ética. Seria como alguém que não estivesse em condições mentais normais. Isso, claro, pode isentar Abraão de culpa, mas não livra a religião de seus dilemas.
-------- Na realidade basta avançar mais na leitura da Bíblia para conferir diversas ações divinas reconhecidamente atrozes, como a morte dos primogênitos do Egito no livro do Êxodo, e ainda mais adiante em Deuteronômio e Josué as tribos de Israel massacrando nações adversárias, exterminando inclusive bebês, fazendo escravos, pilhando riquezas e destruindo a religiosidade alheia, e tudo isso é feito sob ordens diretas de Deus, que também os auxilia com armas de destruição em massa, como chuvas de pedras contra o exército inimigo que bate em retirada. E tudo isso muito depois da promulgação dos 10 mandamentos. Mesmo se avançarmos para o Novo Testamento, veremos atitudes estranhas mesmo para Jesus Cristo, como amaldiçoar uma figueira ou atirar a criação de porcos de um homem precipício abaixo. Nestes casos todas parecem ser melhor interpretadas como alegorias e símbolos bastante instrutivos e éticos, alguns deles até mesmo sugerindo a independência entre a Ética e a religiosidade, como na parábola do Bom Samaritano. E mais adiante nas epístolas paulinas, há até mesmo lugar para a posição de quem um homem não cristão pode ser salvo mediante suas ações em respeito à própria consciência. Mas mesmo assim ainda temos a idéia da punição perpétua no Inferno, uma idéia indefensável sob qualquer parâmetro ético concebível.
-------- Ou seja, tudo isso é Bom do ponto de vista da Fé. São atos e pontos de vista morais, "éticos", por alguns considerados como ditames de sabedoria e bondade infinitas!
-------- De fato, pela minha definição, são sim atos e posturas morais. Pois defendo como Moral um âmbito relativo e contextual, e neste caso obedecer a Deus é a maior virtude, sendo o Bem em si. No entanto como podemos ver esse mesmo raciocínio não funciona em outros contextos, outras culturas e mesmo numa civilização que se desenvolveu tendo a idéia que a Bíblia é a palavra de Deus.
-------- Por outro lado, chamo de Ético tudo aquilo que é espontaneamente reconhecido por qualquer ser humano. Nenhum de nós quer sofrer, mesmo o masoquistas apenas tem uma noção de prazer diferente. Sendo assim a Regra de Ouro se aplica universalmente, e com ela a restrição do assassinato, pois ninguém quer ser assassinado, geralmente. Também a restrição do roubo e da mentira, pois ninguém quer ser roubado ou enganado, bem como a restrição da agressão, da perversão, do abuso e etc. Pois ninguém quer sofrer tais coisas.
-------- Isso então é Ético e é totalmente independente da Religião.

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