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Outlander: o retorno dos vikings ao cinema



Outlander: o retorno dos vikings ao cinema

Sex, 6 de Fev de 2009 2:16 pm

OUTLANDER: O RETORNO DOS VIKINGS AO CINEMA
Prof. Dr. Johnni Langer
Departamento de História - UFMA
johnnilanger@yahoo.com.br 

Mais uma vez, os vikings protagonizam uma produção cinematográfica destinada ao grande público norte-americano e internacional (Outlander, EUA/Alemanha, 2008, direção de Howard McCain) (1). A trama tem início quando uma nave alienígena sofre um acidente e cai na Noruega do século VIII. Com a colaboração de guerreiros nórdicos, o extraterreno combate um terrível monstro, advindo também do espaço. A trama não é original, pois a narrativa do contato entre nórdicos e seres do espaço já foi utilizada em outros momentos das criações artísticas de aventura e ficção científica (2).
O filme é uma miscelâne a de clichês, imagens e estereótipos advindos de diversas outras produções cinematográficas, mesclando também reconstituições razoáveis do cotidiano escandinavo e criando algumas situações históricas verossímeis.
A data em que transcorre a narrativa, 709 A.D., é incorreta, pois o início tradicional da Era Viking é o ataque ao mosteiro de Lindisfarne, na Inglaterra em 793. A alusão a ataques aos francos e aos Rus, no filme, torna-se errônea, pois estes ainda não existiam no início do século VIII.
A caracterização dos guerreiros nórdicos alterna boas e medíocres reconstituições. Não ocorre a presença do mais famoso estereótipo, os elmos chifrudos, uma invenção do Oitocentos (Langer 2002), o que se torna algo muito positivo. Os poucos elmos que surgem na trama, são fieis reconstituições dos padrões de Vendel e Gjermundbu - geralmente utilizados pela aristocracia e lideranças da época, como no filme. As espadas utilizadas em Outl ander também são corretas, cópias dos estilos de Hafsten e Skaaden. Os escudos de madeira com desenhos espiralados de serpentes ou formas geométricas, também foram bem feitos, assim como as lanças e arcos e flechas. Já os machados apresentam variações da Francisca (com duas lâminas), o padrão utilizado pelos francos e desconhecidos pelos escandinavos, que usavam achas com apenas uma cabeça. O martelo utilizado por Gunnar - semelhante aos amuletos reproduzindo mjollnir, a arma principal do deus
Thor - nunca foi empregado pelos nórdicos durante a Era Viking. As cenas de batalha foram bem coreografadas e reproduzem com certa fidelidade os combates medievais (especialmente o momento do confronto entre as tropas de Gunnar e Rothgar). As embarcações são muito bem caracterizadas, tanto nos detalhes dos cascos, quanto nas velas e estrutura geral (3).
Um momento bem anacrônico é a caracterização da personagem Freya como guerreira (4). Seu vestuário no momento do combate simulado com seu pai foi uma recriação da personagem Abba (ver Langer 2006), fundindo ainda elementos da série Xena e de gladiadoras romanas (pelo detalhe da proteção de placas do ombro direito), além da Guinevere do filme Rei Arthur, 2004. No momento em que Freya é dissuadida de lutar, sua caracterização escandinava torna-se mais fidedigna - as vestimentas femininas apresentadas na produção foram bem elaboradas. Além disso, o bom desempenho da bela atriz Sophia Myles (de Tristão e Isolda, 2006), merece destaque no elenco.
Algumas cenas do cotidiano também são contestáveis. O uso de tatuagens escandinavas (como as de Freya e Wulfric) não é descrito nas fontes, ao contrário dos celtas, ou as que sobreviveram em múmias congeladas (como nos citas). A bebida citada no filme, licor, não era conhecida entre os vikings (que fabricavam bebidas fermentadas), e seu uso na Escandinávia somente teve início após o século XIII.
A ar quitetura da aldeia nórdica foi reconstituída com certa fidelidade, especialmente na forma e interiores das casas (mal iluminadas e esfumaçadas, com caldeirão central). O interior do salão real recebeu uma coluna com ornamentação recriada da porta da igreja de Urnes, onde foi esculpida a figura de serpentes combatendo cervos, num estilo entrelaçado. A cena de um carvalho plantado sobre o trono real é de grande beleza cenográfica, mas é uma alusão à yggdrasill (ou à arvore do salão real da Volsunga saga), sem nenhuma base histórica. O momento em que Wulfric prega a mão de um urso na árvore, foi retirada do poema Beowulf. Devido ao produtor ser o mesmo da série O senhor dos anéis, a semelhança cenográfica entre ambos é perceptível, lembrando especialmente As duas torres.
As citações sobre religiosidade apresentam algumas incongruências. Mimir não era considerado um demônio, mas sim uma deidade para o pensamento pagão. A presença de um evang elizador cristão na Escandinávia durante o início do século VIII, bem aceito e convivendo com a comunidade, é falsa. O processo de conversão e presença regular de missionários foi um processo bem posterior (Langer 2005). De qualquer modo, o momento em que Wulfric argumenta suas convicções odinistas com o cristão, é muito interessante.
O diretor do filme, Howard McCain, é um dos roteiristas de outra produção épica, uma refilmagem de Conan (2010). Mas o cartaz/capa de Outlander já antevê essa influência - Kainan segura sua espada de forma muito semelhante a Arnold Schwarzenegger no segundo filme de 1984. Na mesma ilustração, o restante dos principais personagens se reúnem em atitude defensiva em volta de Kainan, de forma idêntica ao cartaz original do filme Erik, o viking (1989) e outras imagens de guerreiros medievais muito comuns nos anos 1970 e 1980 (em artistas como Boris Valejo e Frank Frazetta).
Outras influências vieram da ficção ci entífica, como a série Alien e Predador (na caracterização do monstro); em produções recentes sobre escandinavos (13º. Guerreiro, 1999, e a Lenda de Grendel, 2005, especialmente nas cenas subterrâneas do desfecho) e em clássicos (Vikings, os conquistadores, 1958, no momento do funeral, onde flechas com fogo acendem a pira funerária na embarcação)
Outlander é uma produção com altos e baixos, em termos históricos, mas que cumpre com eficácia sua função de divertir e entreter. A ação é empolgante e a direção eficiente, com uma fotografia que valoriza as cores vibrantes do figurino. Certamente um filme que irá contribuir para a valorização positiva da história e cultura dos vikings no imaginário popular, algo bem distante da visão demoníaca do recente Desbravadores (2007).
Notas:
(1) Para uma filmografia básica sobre os vikings, consultar Langer 2007a. Para análises do cinema europeu e norte-americano de temática nórdico-med ieval, verificar Glot 2004 e Lévesque 2008.
(2) No álbum de estréia da série em quadrinhos Thorgal, o protagonista é um viking que se depara com seres extraterrenos que tiveram interferência no passado da humanidade. ROSINSKI & VAN HAMME. Thorgal (quatro volumes) São Paulo: VHD Diffusion, 1983.
(3) Para uma visão geral e bibliográfica sobre o tema da guerra na Escandinávia Viking, consultar Langer 2008.
(4) Não existem evidências concretas de mulheres guerreiras entre os vikings, ou pelo menos, de participações femininas em palcos de batalhas. Nas sagas de família (ou dos islandeses) quando ocorre a interferência de mulheres, é em situações de defesa (como de Freydis na Terra Nova, durante um ataque de indígenas). Já as personagens bélicas das sagas legendárias (como Hervor) ou as guerreiras descritas por Saxo Grammaticus, são consideradas criações imaginárias influenciadas pelas amazonas clássicas, durante o período c ristão, ou transfigurações literárias das valquírias, de origem nórdico-pagã.

Referências:
GLOT, Claudine. Drakkars sur gran écran. In: GLOT, Claudine & BRIS, Michel (org.). L´Europe des Vikings. Paris: Éditions Hoëbe, 2004.
LANGER, Johnni. The origins of the imaginary Viking. Viking Heritage 4 (4) 2002. Disponível em:http://www.abrem.org.br/viking.pdf Traduzido ao francês: Rêver son passé. In: GLOT, Claudine & BRIS, Michel (org.). L´Europe des Vikings. Paris: Éditions Hoëbe, 2004. 
_____ A cristianização dos vikings e do norte europeu. História, Questões e Debates 43, 2005.http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/historia/article/viewFile/7873/5551 
_____ Asterix e os vikings no cinema e na hq. História, Imagem e Narrativas 3(2) 2006.http://www.historiaimagem.com.br/edicao3setembro2006/resenha-asterix.pdf
_____ A volta dos vikings: resenha do filme Desbravadores. Templo do conhecimento, 2007a.http://www.templodoconhecimento.com/portal/modules/smartsection/item.php?itemid=225
_____ Beowulf, paganismo e cinema. Templo do conhecimento, 2007b. http://www.templodoconhecimento.com/portal/modules/smartsection/item.php?itemid=234
_____ Guerra ao modo viking. Brathair 8 (2) 2008 (no prelo). www.brathair.com 
LÉVESQUE, Jean-Marie. Fantasias bárbaras. A saga viking. História Viva/Edição especial temática 21, 2008.

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