Pesquisar este blog

bhrahmanismo: Kali Yuga


Você sabe parar?
Pedro Kupfer

Se você é o que você faz, quando não faz, você não é.
William Byron.

Você vive com a sensação de estar fazendo demasiado? Você tem a impressão de que seu dia não é suficientemente longo para realizar todas as tarefas que precisa realizar? Você fica constantemente cansado, como se estivesse carregando um fardo muito pesado para suas próprias forças? Você acha que a vida poderia ser mais gratificante e significativa?

Se você respondeu positivamente a algumas das perguntas acima, provavelmente está precisando dar uma parada.

Todos os yogis sabem que Kali Yuga, o ciclo do tempo em que estamos vivendo, é a era do conflito e da escuridão. Porém, nem todos sabem que esta é também a era da velocidade. Tudo acontece rápido demais. Não temos tempo para pensar em nada, a vida simplesmente nos engole com suas pressões sociais, laborais e familiares. Ou nos adaptamos, ou enlouquecemos. Adaptar-se, nesse caso, significa aprendermos a parar.

Lembre dos primeiros anos de sua vida: provavelmente, seus pais não tinham computador em casa e você brincava mais na rua do que seus filhos hoje. Em termos de velocidade e violência, as brincadeiras de seus filhos na frente do videogame não se comparam às suas.

As crianças que nós fomos parecem simplórias demais se comparadas com as crianças de hoje. Aliás, as crianças de hoje nem sequer chamam-se crianças. Chamam-se “pré-teens”.

Quando você era criança, no outono, o próximo Natal estava tão longe que você nem conseguia imaginar uma extensão de tempo tão grande. Quando faltava uma semana, ansioso pelos presentes, você perguntava para sua mãe: “mas o natal não vai chegar nunca?”

Porém, o tempo passou, você foi crescendo e, sem perceber quase, entrou na montanha russa que sua vida é hoje. O ritmo cotidiano foi acelerando conforme você cresceu e hoje, provavelmente, está bem mais rápido do que você gostaria. A escritora Emily Dickinson disse uma vez que “viver é algo tão espantoso que sobra pouco tempo para qualquer outra coisa”.

Essa montanha russa chama-se samsara em sânscrito. Samsara significa literalmente “fluir” ou “andar em círculos”. O samsara é esse fluxo constante de eventos, impossível de ser detido, no qual não encontramos nem paz nem segurança.

O samsara é a terra do sofrimento. Se você não tinha parado para pensar nisso antes, seja bem-vindo ao samsara agora e segure-se, pois a montanha russa está entrando em mais uma queda livre daqui a pouco.

Embora tenhamos aprendido muitas coisas na escola, nunca nos ensinaram a parar. Parar é uma maneira de refletir e assimilar tudo o que aprendemos, ficando mais receptivos para podermos avaliar de maneira mais positiva e justa qualquer empreendimento que nos propusermos. Para o yogi, parar é o que vem antes do samadhi, a realidade luminosa que está além do samsara.

Parar é um gesto de respeito e amor por nós mesmos. Ao mesmo tempo, é um ato de generosidade em relação àqueles com quem convivemos. Se nossa alma ficar mais harmoniosa, essa harmonia irá refletir-se à nossa volta.

Cultivar o ato de parar conscientemente equivale a viver a vida como uma jornada, uma aventura de descobertas. Mas, se não soubermos parar conscientemente, nosso corpo irá parar sozinho, através de uma doença ou um acidente.

Parar é essencial se quisermos manter a felicidade e a sanidade nos dias de hoje. Todo o mundo está procurando a felicidade; alguns, procuram até a imortalidade; mas quase ninguém sabe o que fazer num sábado chuvoso. Assim, a arte de viver fica sepultada sob as pressões que a sociedade impõe ao indivíduo Nas palavras de H. D. Thoreau, “a vida se mede, não pelo número de anos que passamos na Terra, mas pelo que usufruímos”.



Parar tem a ver igualmemente a ver com nossos valores mais íntimos. Se não soubermos parar, seremos vítimas fáceis do consumismo. Se não soubermos parar, acabaremos achando que vestir aquela griffe é tudo o que precisamos para ser felizes ou que usar aquele cartão de crédito pode resolver nossos problemas emocionais.

O Dr. David Kundtz, em seu livro “A Essencial Arte de Parar” (1999, Ed. Sextante, Rio), nos dá algumas valiosas dicas para parar. Ele afirma que há três maneiras de parar que podem ser aplicadas ao longo da vida:

1) Pausas breves. Têm a duração de algumas respirações até algumas horas, e devem ser aplicadas diariamente, antes de tomar decisões importantes, por exemplo. Se você quiser, antes de continuar esta leitura, faça algumas respirações conscientes com os olhos fechados e observe-se. Perceba o que está acontecendo à sua volta... Pronto! Você entendeu.

2) Escalas de viagem. São períodos de tempo que você reserva para não fazer nada. Podem durar desde algumas horas até algumas semanas. Ajudam a refrescar a mente e recuperar a objetividade. Fins de semana ou férias sem nenhuma tarefa definida são exemplos de escalas de viagem, onde você pode recarregar suas baterias e reencontrar seu equilíbrio interior.

3) Paradas gerais. São momentos cruciais na vida, momentos em que é desejável afastar-se de tudo e de todos para encontrar o rumo que nossa vida possa tomar no futuro. As paradas gerais podem durar de alguns meses a um ano, e fazer-se em forma de viagens ou retiros.

Para o yogi, parar não significa necessariamente praticar Yoga ou meditar. Parar é diferente de meditar e, embora envolva o pensamento yogik aplicado, pode ter mais a ver com dedicar alguns momentos à arte, a atividades físicas como pedalar ou caminhar ou a simplesmente estar perto da natureza.

Pessoalmente, descobri que minhas paradas, sejam do tipo que forem, passam por estreitar meus vínculos com a natureza e, especialmente, com o mar. Assim, para fazer minhas pausas breves, procuro reservar um momento do dia para surfar, mesmo se as condições de vento ou ondulação não forem ideais.

Se não tiver mesmo tempo, dou uma caminhada breve pelo mato ou faço uma sessão de "cachorroterapia": deito no chão e deixo que minhas cadelas me afaguem, me cheirem, deitem na minha barriga e me façam um carinho. Instintivamente, elas sabem melhor do que eu o que estou precisando.

Minhas escalas de viagem, quase sempre acontecem na forma de surf trips, viagens de surf com meus amigos yogis, meu tapete de prática e os instrumentos para tocar mantras. Da mesma forma, já fiz uma parada geral em que fiquei viajando durante seis meses, com longas sessões de surf na Indonésia.

Parar tem a ver com respirar conscientemente, tem a ver com desfrutar o presente, tem a ver com simplesmente ser. Parar é essencial para mantermos o bom senso vital. Aliás, você já deu sua parada hoje?

Nenhum comentário: